ARTE E DESIGN



Bertrand Lavier. Calder sur Calder. Mobile sobre aquecedor. 1988


Qualquer objecto pode ser uma obra de arte. Qualquer coisa, mesmo que não seja um objecto, pode ser uma obra de arte. Ao longo do século XX, com o trabalho das vanguardas dos anos 10, dos anos 60, dos anos 90, deixaram de existir limites formais ou fronteiras objectivas para definir aquilo que pode ou não ser arte.

Tal como deixaram de existir fronteiras rígidas entre as artes plásticas e as outras disciplinas criativas, entre as quais o design.

As regras da excepcionalidade – aquilo que só a mão de um génio pode fazer –, da unicidade – aquilo que não pode ser repetido -, ou da universalidade – aquilo que todos consideram belo -, deixaram de ser critérios absolutos. A tecnologia permite que tudo seja discutido ou contestado. A arte torna-se um território infinito de imaginação e liberdade.

Todos os objectos têm design. Mesmo as coisas que não são objectos têm design. Pensemos na iluminação, design da luz, na coreografia, design dos gestos, na retórica, design da fala.

Todos os objectos alguma vez produzidos resultaram de um conceito pensado, ou resultaram de um determinado sistema de pensamento, mesmo que este não se traduzisse conscientemente em conceitos aplicados à produção de objectos. Tudo é design. Mesmo o ar que respiramos, é moldado, filtrado, desenhado pelo desenho do espaço – arquitectura, decoração, equipamentos urbanos – em que respiramos.
Então, onde é que está a diferença? Então, porque é que falamos de arte ou de design?

Porque quando fazemos arte ou design, quando chamamos arte a uma coisa ou dizemos que uma coisa tem design, estamos a ganhar uma outra consciência e a dedicar uma outra atenção às coisas que estamos a observar ou a conceber.

Essa outra consciência e essa outra atenção caracterizam-se por um estado de alerta de toda a nossa inteligência e sensibilidade, caracterizam-se por um investimento intelectual mais forte e uma disponibilidade emocional mais intensa, caracterizam-se por uma máxima abertura de espírito e um mais sério empenhamento na pesquisa.

Uma consciência aberta e disponível, uma atenção entusiasmada e afectuosa. É isso que os distingue da mera repetição das rotinas do quotidiano. É por isso que um quotidiano e uma sociedade sem arte nos condenaria à infinita repetição das mesmas coisas, sem prazer, sem novidade e sem entusiasmo.

Ao falarmos de arte e design falamos de objectos que se situam no território da complexidade. Mesmo que sejam simples. O território da complexidade não remete para qualquer tipo de complicação formal mas sim para uma disponibilidade do objecto para instaurar diferentes níveis de leitura e de funcionamento. Sem que esses diferentes níveis possam ser reduzidos uns aos outros e sem que possam ser esgotados no interior de um sistema fechado. Daí resulta a ambiguidade. A capacidade do objecto preservar uma margem de indecidibilidade e inapropriabilidade. Para além daquilo que o objecto é, na força da sua presença, e para além daquilo que ele é, na rede dos discursos que o articulam, o objecto mantém uma capacidade para ser mais. E esse mais remete para a sempre renovada actualidade uma experiência.

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Alexandre Melo, “Arte e Design”, in Arte Ibérica, Ano 4, Nº34,  Lisboa, Abril 2000

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