EM MUNIQUE



Akademie der Bildenden Künste, München


Na última semana do passado mês de Janeiro, estive em Munique para conhecer e discutir, em regime de seminário, o trabalho de cerca de três dezenas de artistas e estudantes da Academia de Belas Artes.

A minha primeira intenção, quanto ao início desta crónica, era começar por falar do estado do tempo e da arquitectura da cidade. Depois pensei que podia fazer a economia da introdução turística, e que valia mais descrever alguns dos trabalhos, projectos e ideias que os estudantes me apresentaram. Porque é em conversas como estas, em sucessivas horas de discussões a respeito das maneiras e da procura das maneiras de colocar, abordar, inventar ou resolver os mais variados problemas, que é mais fácil perceber qual a especificidade, a vitalidade e razão de ser do trabalho, da atitude e do resultado da produção daqueles a quem continuamos a chamar artistas.

A quase todas as profissões (e respectivos profissionais) com que deparamos na nossa vida quotidiana, pedimos a sociedade pede, que analisem e resolvam determinados problemas – por exemplo, alimentar-nos, construir uma ponte ou proteger-nos os pés – relativamente aos quais nos poderão ser propostas diferentes hipóteses, tão variadas quanto as possibilidades técnicas em causa e a imaginação estética e intelectual disponíveis. No entanto, todas essas hipóteses têm de satisfazer, minimamente que seja, uma expectativa e um conjunto, mínimo que seja, de requisitos específicos pré-determinados. Poderíamos falar de função, mas dizer expectativa minimamente pré-determinada é mais abrangente.

Só ao artista nade se pede, em termos de expectativa pré-determinada e objectivada. Pede-se-lhe apenas que faça o que quiser, para que, com o que ele fizer, e chamando-lhe arte, podermos nós fazer o que quisermos. Ao artista, portanto, pede-se tudo. Tudo ou nada? Tudo e nada, isso sim.

Passo a enumerar algumas coisas que me ofereceram em Munique.

Astrid Giers propõe-se encher de fumo alguns dos imensos corredores e incontáveis salas da Academia, iluminando tudo de um modo especial, e convocando o público para, do exterior, observar o efeito através dos vidros das janelas. Vincent Mitzev quer ocupar uma das salas construindo no seu interior uma réplica exacta invertida – de cabeça para baixo – da arquitectura e recheio da própria sala. Jolene König pegou no conjunto de armários individuais, onde um grupo de estudantes guarda os seus haveres e materiais de trabalho, e construiu com eles um “muro” que, visto de um lado, exibe uma monocórdica sucessão geométrica de portas rectangulares e, visto do outro, revela os multifacetados conteúdos dos armários, tal como os encontrou na sala de aulas.

Cristina Gómez Barrio quer fazer um filme com a história da criatura de Frankenstein, que estaria ainda hoje viva, algures num deserto gelado, especulando a respeito da vida, do tempo e do amor. Para a gravação do monólogo, espera obter a voz de Nick Cave. Brigit Kramer envolveu o corpo em balões e meias insufláveis e enche-os de ar, ao ritmo mecânico de uma respiração ofegante, registando o processo em vídeo. Katharina Duer, convidada a apresentar um projecto de arte pública para Villingen-Shcwenningn, uma cidade composta por duas comunidades, entre as quais são frequentes conflitos, propôs a construção, numa praça central, de um ponto de encontro, uma casa em vidro sobre a qual seriam gravados mapas das diferentes zonas da cidade. Vêem: falámos de arquitectura, do estado do tempo, do espaço e da experiência própria de convívio numa maneira de falar em que os modos rotineiros de problematizar os assuntos, ou analisar problemas, dão lugar a outros modos de inventar problemas e problematizar rotinas. Outras maneiras, desafiadoras e revitalizantes de pensar isto ou aquilo, de falar disto ou daquilo: tudo e nada.

Chamam-lhe arte. 


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Alexandre Melo, “Em Munique”, in Arte Ibérica, Ano 3, Nº22,  Lisboa, Março 1999


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