PEDRO CALAPEZ



Fundação Calouste Gulbenkian
Desenhos sobre madeira, 1989


Nas duas exposições realizadas recentemente por Pedro Calapez, foram exibidos trabalhos dos dois últimos anos. Estas pinturas englobam, quanto aos materiais e execução, as principais características dos primeiros trabalhos do pintor iniciados em 1983-84. O suporte utilizado foi a madeira em bruto, por vezes coberta por uma leve camada de cinza. À primeira vista, as pinturas consistem numa acumulação obstinada de gestos garatujados e de contornos criados quer por grafite preta quer por gravação na superfície da madeira. O método de desenhar de Calapez define-se por uma sensualidade perspicaz, que não tem, contudo, a ver com o drama psicológico do expressionismo vibrátil. Trata-se, pelo contrário, de uma sensualidade física que resulta da oposição entre os gestos das mãos e a resistência objectiva dos materiais, criando assim uma sensualidade própria do que é manual.

No que diz respeito à composição, o resultado deste processo é a criação de uma nebulosa espacial que dá à sua pintura uma transparência e profundidade paradoxais. Desta atmosfera única, podemos destacar um número de contornos e formas básicas principais que sugerem truques de perspectiva geométrica ou estruturas cenográficas ou arquitecturas elementares. Sugere-se ainda a existência de objectos tais como poços, mesas, altares, tronos e sepulturas que, devido ao isolamento a que estão sujeitos, adquirem um peso religiosamente simbólico. Neste trabalho predominam formas que nunca emergem completamente mas que pairam no limite da própria realização, como que recuperadas de um todo perdido.

Poderíamos então dizer que a pintura de Calapez tenta recuperar as fundações ou o que resta das estruturas e crenças. Depois de se ter perdido toda a naturalidade da presença humana, todo o sentido da totalidade, a tarefa que nos fica é a de criar um espaço – tanto real como abstracto – no qual se torne possível repor signos essenciais e valores perdidos.


Contrariamente ao que faz em trabalhos anteriores, Calapez já não representa aqui o céu explorando a densidade, as cores, a luminosidade; em vez disso, cria o seu próprio céu.

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Alexandre Melo, Pedro Calapez – Fundação Gulbenkian, in Flash Art, Milão, Outubro, 1989

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