APICHATPONG WEERASETHAKUL


ARTFORUM
Dezembro/December 2016


Apichatpong Weerasethakul, Ghost Teen, 2009, ink-jet print, 29' 6“ × 49' 3”

Apichatpong Weerasethakul’s survey exhibition—a noteworthy curatorial achievement by Gridthiya Gaweewong—inaugurated a new museum of contemporary art and a new cultural hub in the city where the artist now lives. The museum’s facade is covered with fragments of mirrors that refract and scatter light, a design inspired by Thai “spirit houses,” found in the entrances of homes and public buildings and intended to respectfully welcome previous inhabitants and their past lives. This architectural setting was a fitting prologue to one of Apichatpong’s strengths: the ability to unite a contemporary cosmopolitan aesthetic with regionally specific cultural values. Such a synthesis is deeply connected to the infinitude and multiplicity of memory, a theme that runs through the artist’s work and was an organizing feature of the exhibition, most overtly in the presentation of a vast collection of documentary materials.

One dimension of memory the exhibition explored was that of place, and specifically locations within Thailand of particular relevance to the country’s turbulent history. Works from the so-called Primitive Project, 2009, focus on the village of Nabua in the Nakhon Phanom Province, a site of bloody conflict between local communist factions and the Thai army in the 1960s. Other powerful sites from Apichatpong’s work include the Mekong River, Khon Kaen (where the artist grew up), and Mae Rim, in the Chiang Mai area (where he currently resides). The presence of these precise locations within the artist’s oeuvre, even when direct, is never didactic, but instead alludes to a complex relationship between personal memories and collective, historical reference points.

Locations and situations of privacy grant Apichatpong’s audience access to a different kind of space: the psychological space of the artist’s own experiences. Perhaps the most intimate of these is Video Diary: Father, 2014, in which the artist’s brother filmed their father being subjected to dialysis. Another work admirable in its sensitivity is Teem, a sensual three-channel video installation from 2003, in which the artist records the morning sleep of his partner. We reencountered Teem in a photograph (The Vapour of Melancholy, 2007) in which he lies in bed blowing smoke, fireworks in the background. One cannot underline enough the importance of sleep and dreams, of light and night, as Apichatpong’s way of evoking parallel lives.

In fact, the artist often uses light to explore perception, whether in his images or via a diversity of projection and illumination methods. The exhibition emphasized his experimentation with surrealism and his interest in American vanguard cinema, which he studied in Chicago after training as an architect—another influence that was visible in the highly creative installations throughout the exhibition. His experimental work with light was exemplified in his first-ever artistic video (Windows, 1999), in which, for seventeen minutes, a camera placed on the floor records the seemingly supernatural intensity of sunshine refracting through a pane of glass.

The show’s title, “The Serenity of Madness,” heightened the sense of inquietude and the flux between personal and societal memory. This was further accentuated by the constant oscillation of scale at play in the images and projections, such as the enormous photograph that opened the exhibition, Ghost Teen, 2009, which was enlarged to the size of an entire wall. A generic subject in a track jacket and sunglasses gazes into the distance, as if smiling, face obscured by a monster mask. We can imagine what was meant by the term serenity, which is such an essential aspect of the religious and cultural tradition that Apichatpong’s art depicts, and one that so emphasizes the monastic order and the practice of meditation. Far more difficult to see is the personal, social, or political madness that counterbalances such calm. But Apichatpong’s extraordinary images open paths toward discovering that madness—if almost always from the vantage point of composure. What face is found behind or within a face? What gaze is found behind or within a gaze?


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Texto publicado na revista mensal Artforum, na edição de Dezembro de 2016, por ocasião da exposição “APICHATPONG WEERASETHAKUL: 
THE SERENITY OF MADNESS” , comissariada por Gridthiya Gaweewong, no MAIIAM CONTEMPORARY ART MUSEUM

ALAIR GOMES


ARTFORUM
Outubro/October 2016







Não é fácil sobrestimar a relevância do trabalho fotográfico de Alair Gomes (Rio de Janeiro, 1921 - 1992) no que diz respeito ao tema do jovem corpo masculino.
Sobretudo se o analisarmos no contexto político e cultural do Brasil nos anos 60 e 70.

“Young Male“, é precisamente o título da exposição (com curadoria de Eder Chiodetto) apresentada no novo espaço (inaugurado em Março) da Galeria Casa Triângulo (um admirável projeto da Metro Arquitetos Associados) que reúne o maior número de fotografias do autor já apresentadas num espaço comercial.

Alair Gomes tem background nas áreas da engenharia e ciências exatas mas desde cedo manifestou uma fixação na temática do corpo masculino, abordado numa perspetiva estética mas também filosófica, indissociáveis da sua própria experiência de vida e relações quotidianas. A reflexão e especulação que começou por se manifestar em diários (escritos em inglês) acabou, nos anos 60, por encontrar na fotografia a sua mais acabada forma de expressão.

A exposição mostra trabalhos representativos das várias perspectivas e metodologias fotográficas através das quais o autor abordou o seu tema.

Na série “Viagens (Europa/Arte)” (de que são mostrados 17 exemplos), realizada aquando de uma viagem à Europa em 1969, o artista capta imagens das formas ideias do corpo masculino tal como as encontramos na arte clássica.

Estas imagens podem ser vistas em paralelo com as 35 imagens (de um total de 1767) da série “Symphony of Erotic Icons” (1966/1978). O conjunto aqui reunido pode ser visto como uma espécie de enciclopédia organizada segundo princípios rítmicos, assumindo diferentes graus de aproximação (do corpo inteiro aos grandes planos dos orgãos sexuais, passando por distancias intermédias e diferentes áreas do corpo) ao corpo nu masculino. Poderíamos dizer que nesta série predomina uma preocupação de sistematização estética oriunda de uma inspiração nos valores da arte clássica.

Já no conjunto de 39 fotos de uma mesma pessoa (“Sem Título”, 1970/1980), fotografada na intimidade de um espaço privado, podemos ver como que um capítulo de um diário que documenta a experiência real do encontro concreto com um corpo específico. Apesar desta sensação de intimidade nunca são convocadas instancias de encenação, de interação a dois ou quaisquer peripécias narrativas ou anedotas circunstanciais. Trata-se sempre e apenas da constatação e observação da presença e da imagem do corpo de um homem.

Como que a meio caminho entre a (relativa) distancia estética e a (relativa) proximidade do retrato íntimo, surgem 3 fotografias de 1969 (a que se associam materiais documentais apresentados numa vitrine, incluindo um dos diários) de uma das séries mais conhecidas do autor (“A Window in Rio”). Nestas séries, Alair Gomes, a partir da varanda do seu apartamento em Ipanema, foca a atenção da sua câmara sobre os corpos que se passeiam no calçadão ou se dedicam a atividades de recreação física na praia. Não se trata, em sentido estrito, de voyeurismo já que se trata da simples observação de movimentos de corpos (quase nus) no espaço público. A principal qualidade e o maior carácter distintivo do trabalho de Alair Gomes residem na intensidade do olhar que mergulha sobre as banais atividades estivais de milhares de corpos pelos quais qualquer um pode passar, ainda hoje em dia, nas praias do Rio. Através do trabalho de enquadramento e da composição musical das sequências de imagens, o olhar do artista encontra nestes corpos a matéria prima de uma forma de representação (dos corpos vivos dos homens) que nos remete diretamente para os ideais clássicos associados à noção de beleza e à sua aspiração idealista a constituir-se em valor eterno. Falamos de uma atitude filosófica e de uma prática de produção de imagens que acreditava que os valores transcendentes (a verdade da beleza de um corpo) podem ser captados na simplicidade da presença de um corpo numa praia. 

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Texto publicado na revista mensal Artforum, na edição de Outubro de 2016, por ocasião da exposição “Young Male” de Alair Gomes, comissariada por Eder Chiodetto, na Casa Triângulo, São Paulo, Junho-Julho 2016.




REGINA SILVEIRA AND LEANDRO ERLICH





ARTFORUM
Agosto/August 2016



Regina Silveira, serie Dreaming of blue, 2016

Leandro Erlich, Blind Window, 2016



When you approach this new space, it’s not easy to tell that it’s an art gallery, because what you first see is a house, which was designed in 1958 by Rino Levi, with landscaping by Roberto Burle Marx. It’s rooted in a peculiar relationship between interior and exterior in which nature, in the form of two outdoor gardens, makes its way in through the building’s glass walls. With Regina Silveira’s works and Leandro Erlich’s installation, this indoor-outdoor relationship is particularly gratifying. The concept has been a long-standing interest of both artists.

An exhibition of Silveira’s work at the Museu de Arte de São Paulo in 2010 is the origin of her exhibition here. In the museum installation, the artist covered the glass facade with images of clouds. This exhibition is also suggestive of the atmosphere, as Silveira overglazes ceramic tiles—such as those that comprise the stunning panel Dreaming of Blue I(works cited 2016)—to re-create the sky indoors. Silveira has always been interested in encoding, and the cross-stitch patterns illuminate and simultaneously obfuscate meaning within these elegantly wrought pieces. Installed in the living room, Erlich’s Blind Window consists of a glass sheet with a window in the middle. Sealed off by bricks, this window gives rise to myriad speculations on the (in)visibility of the relationships between private and public space.

In the front garden and down in the cellar of the venue, several works from “Residência moderna” (Modern Residence)—the first exhibition held at this new site, just before this one—remain on display. The gallery continues to create a fluid and dynamic visual rapport between the works of art and the home that cradles them.


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Texto publicado na revista mensal Artforum, por ocasião da exposição “REGINA SILVEIRA: TRAMADOS / LEANDRO ERLICH: BLIND WINDOW”, na Galeria Luciana Brito, São Paulo, Brasil, Junho-Agosto, 2016.

YONAMINE



ARTFORUM

Maio/May 2016





©Cristina Guerra Contemporary Art


Uma obra fora do comum atrai e concentra a nossa atenção. Na parede mais extensa da galeria, um painel (de 3,5 metros de altura por 8 de largura) composto por cerca de 2 500 torradas. Fatias de “pão de forma” justapostas sobre as quais, uma a uma, foram gravadas (numa torradeira adaptada que permite “gravar desenhos”, de modo mais ou menos intenso, criando uma gradação de tons desde o amarelo pálido até ao negro) uma seleção de imagens que compõem um padrão irregular. As imagens são duas representações de uma pessoa (rosto e busto) e alguns algarismos. Os algarismos são o 0, o 1 e o 7 (os mais frequentes) e ainda o 5 e o 6. A pessoa é José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola.

A obra chama-se “Pão Nosso de Cada Dia” (2016) e o título reforça a cadeia de associações implícitas. Poucas coisas serão mais comuns, universais e quotidianas que o pão. O pão invoca ao mesmo tempo a intimidade doméstica e familiar, e a mais fundamental luta política e social (contra a fome, “pelo pão”); para além das potenciais significações religiosas num contexto cristão ( a transformação do pão em corpo de Cristo na hóstia consagrada ). A expressão “pão nosso de cada dia” remete também para um sentimento de exaustão em relação à rotina de um quotidiano que parece repetir-se infindavelmente. Uma espécie de cansaço.

A omnipresença do retrato é fácil de compreender: José Eduardo dos Santos é Presidente desde 1979 : o número 1. O 0 remete para a expressão corrente “és um zero à esquerda” (ou seja, “não vales nada”) que o artista , segundo nos disse, costumava ouvir do seu pai. Quanto aos outros algarismos podemos admitir que o 7 seja o número da sorte e o 8 represente o infinito. Significativa poderá ser ainda a ausência de 2, 3 e 4 e a discreta presença de 5 e 6. O 1 e o 0 dominam a paisagem.

Yonamine nasceu em Angola (em 1975, ano da independência em relação ao domínio colonial português ao qual se seguiu uma guerra civil que durou até 2002) e já viveu no Zaire, Portugal, Brasil, Reino Unido e Alemanha. Segundo a folha de sala, “define-se como um artista luso-congolês“; vicissitudes do “multiculturalismo”.

Na obra “Pão nosso de cada Dia” encontramos, desde logo de modo exemplar, uma das principais energias motrizes na obra de Yonamine. A capacidade de inscrição, nos lugares e obras de arte, da experiência do quotidiano, na multiplicidade das suas formas.

Vejamos a experiência da rua. As telas de Yonamine combinam, de modo desenvolto e imaginativo, uma grande variedade de técnicas (silkscreen, graffiti, colagem, descolagem). Evocam a “pop art” e a “street art” mas, sobretudo, convocam para o espaço da galeria a experiência visual das paredes e muros das zonas periféricas (as chamadas zonas problemáticas) das grandes cidades. Logotipos de marcas comerciais (muitas delas marcas de detergentes, como Omo, Neo Blanc, Cif, remetendo para as tensões entre limpo e sujo, preto e branco) convivem com imagens de figuras reconhecíveis (Obama ou o cartoon do “Charlie Hebdo”, por exemplo) ou fragmentos de um auto-retrato fotográfico, entre outras referencias pessoais.

A composição, por acumulação de camadas, remete para os graffitis, com uma sucessiva acumulação e rasura de mensagens, e para a colagem e descolagem de cartazes urbanos, cada vez mais rasgados. Estão em causa tensões entre expressão e censura, construção e destruição. Como num muro ou numa parede.
Irrupção ainda mais direta do quotidiano, um graffiti diretamente aplicado na parede evoca a memória de um amigo recentemente falecido.   

Mas não se trata apenas de ver, trata-se também de ouvir. Três megafones dispersos pela galeria, permitem ouvir reconstituições de sons dos mercados populares de Luanda, capital de Angola.

A importância concedida às palavras adquire uma maior evidencia e autonomia no vídeo “M de M“ (2013/2016, p/b, som, 10’ 54’’). Uma seleção de cerca de 200 palavras começadas por M que se sucedem em loop segundo um ritmo marcado pelo tictac de um relógio e a recorrência do separador “M de “. O que é assinalável numa obra com uma tão depurada economia formal é que o risco de uma sensação de arbitrariedade rapidamente se dissipa. Torna-se inevitável começarmos a encontrar uma razão de ser para a presença daquelas palavras que, à medida que se sucedem, parecem começar a contar uma história cultural (o convívio entre palavras africanas e palavras oriundas de diferentes práticas da língua portuguesa, por exemplo a gíria de Luanda), uma história política (associada à história do colonialismo e suas sequelas) e uma história pessoal (memórias, mais ou menos longínquas, nossas ou do artista).

As “histórias” de Yonamine não têm uma conclusão (“uma moral da história“) mas talvez nos conduzam a uma reflexão, designadamente sobre os impactos culturais do colonialismo na nossa atual experiência cultural quotidiana. Nem sempre é fácil distinguir entre o bem e o mal. Talvez por isso Yonamine chamou à exposição “Não Sou Santo“.  Importa reconhecer que é difícil, nos tempos que correm, encontrar um Santo.


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Texto publicado na revista mensal Artforum, na edição de Maio de 2016, por ocasião da exposição “Ain’t no Saint”, Yonamine, na Galeria Cristina Guerra, Lisboa, 2016.