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10 CONTEMPORÂNEOS




Fundação Serralves, Porto, 1992



Gerardo Burmester
Pedro Cabrita Reis
Pedro Calapez
Pedro Casqueiro
Rui Chafes
José Pedro Croft
Pedro Portugal
Pedro Proença           
Rui Sanches
Julião Sarmento


Esta exposição tem por objectivo mostrar o trabalho de dez autores que marcam de forma decisiva o momento actual da arte portuguesa e que são, ou poderiam ser, com o devido enquadramento institucional, parte integrante da situação internacional da arte contemporânea.
No plano mais pragmático, e uma vez estabelecido o âmbito geográfico nacional, a exposição rege-se por parâmetros cronológicos e de dimensão.
Uma escolha assinada só tem vantagem em ser clara e precisa. O resultado é uma selecção de dez artistas e a divisão da exposição em duas partes de modo a permitir mostrar um número minimamente significativo de peças de cada um. Para reforçar a individualização, a partição em dois grupos segue critérios de diversificação e não de homogeneização. Acresce que, em termos de dimensão, foram levados em linha de conta, por um lado, o local de exposição e os seus condicionalismos, e, por outro lado, uma opção de montagem que tenta tomar cada objecto visível sem excessivas interferências negativas, e permitir a cada artista receber uma atenção específica e uma leitura individualizada.
Na escolha das peças, realizada em estreita colaboração com os artistas, procurou-se que correspondessem a diferentes momentos do trabalho dos autores ao longo do período de referência e que, sem quebra de representatividade, fossem, sempre que possível, peças menos conhecidas do público.
A montagem obedece a princípios de prioridade à visibilidade individualizada de casa artista e de tratamento equitativo de todos eles. Daqui decorreu a opção por conceder a cada artista um espaço autónomo mais fechado, que ocupa em exclusivo, e distribuir de forma equilibrada as suas presenças nos espaços mais abertos.
Um outro propósito da montagem foi o de, na medida em que as obras e as condições concretas de trabalho o permitiam, apresentar obras de exterior, chamando assim a devida atenção para o magnífico espaço envolvente da Casa de Serralves e para o muito que a leitura do seu espaço tem a ganhar com uma ampla abertura ao exterior.
Em termos cronológicos, o ponto de vista é o do momento actual, retendo como universo de referência a partir do qual operar as escolhas o trabalho realizado ao longo dos últimos dez anos por artistas cujas carreiras então atravessaram fases de afirmação ou definição de uma imagem pública consolidada. Ficaram assim afastados do universo de referência trabalhos cuja imagem pública consideramos não estar ainda definida ou já o estar desde um período mais recuado.
Retivemos este período não porque ele encerre qualquer unidade estética, programática ou ideológica, mas por julgarmos que, descontada a margem de arbitrariedade que qualquer censura cronológica implica, lhe corresponde um contexto social e cultural especifico a nível nacional. Um contexto caracterizado pela afirmação forte e dinâmica de um amplo conjunto de artistas e outros agentes culturais activos na aérea das artes plásticas, um notável aumento do interesse da opinião pública e dos meios de comunicação e uma assinalável, embora ainda limitada, abertura internacional da situação artística portuguesa.
Este conjunto de circunstâncias permite formular a hipótese, deliberadamente optimista, de que ao longo da última década se terá verificado em Portugal, ao nível das artes plásticas, e apesar de graves bloqueios e limitações institucionais, uma mutação da conjuntura que tornou possível abandonar os traumas da pequenez e os complexos de inferioridade e desenvolver práticas e atitudes ajustadas ao tempo e às dinâmicas mais fortes da criação artística à escala internacional.
O período retido, como resulta da simples consulta das datas das obras, é o da passagem da década de 80 para a década de 90, a viragem 80/90. Estamos perante obras e autores que se definiram depois e a partir de um distanciamento pessoal em relação aos modelos que marcaram os fins dos anos 70 e os princípios dos anos 80 (designadamente os “novos expressionismos” e as “figurações livres”) e que desde então adquiriram uma consistência e uma individualidade que hoje em dia os situam em lugares privilegiados de articulação com problemas e temáticas decisivas na década de 90.
Sem pretender ser exaustivo, sirvam de exemplo questões como sejam o estatuto do corpo humano e sua representação, os arquétipos da ocupação ou da representação do espaço, a história da arte como fundo da análise e recomposição de elementos plásticos, os limites e fronteiras de disciplinas como a pintura ou a escultura, a especificidade do objecto artístico e da sua definição no confronto com outros tipos de objectos, a capacidade de intervenção social da arte. Temas que, na sua diversidade, e abordagem das obras, igualmente diversas, dos artistas aqui reunidos, e que são simultaneamente tópicos insistentes do debate cultural e artístico contemporâneo.
Em termos de método optamos por valorizar a individualidade e diversidade das obras apresentadas recusando os discursos aglutinadores de ocasião, baseados em pretensas identidades nacionais, alegadas conformidades doutrinais ou concertações conjunturais de circunstância. Discursos muito frequentes em exposições colectivas e que também frequentemente se revelam teoricamente abusivos e eticamente menorizadores das obras no que diz respeito à natureza das relações que promovem entre estas e o discurso.
Uma vez enunciados os critérios mais pragmáticos convem não evitar a sempre polémica questão dos critérios mais subjectivos, pessoais.
É sabido que não existem critérios objectivos, técnicos, científicos, de avaliação da qualidade em arte, menos ainda na actualidade em que não funciona sequer o factor da consagração histórica. Qualquer escolha é sempre pessoal e subjectiva. O que não impede que seja norteada por critérios explicitáveis. Neste caso foram aplicados critérios de dinamismo, consistência e contemporaneidade.
Por dinamismo entendemos a riqueza e a intensidade da presença do autor e da sua obra no contexto social e cultural em apreço. Esta aspecto é aferível em função do conjunto do trabalho realizado e mostrado, da atenção, reflexão e debate que tenha suscitado e, bem assim, do conjunto de iniciativas a que tenha estado associado. Os currículos e bibliografias detalhados elaborados para este catálogo constituem a este respeito um testemunho adequado sem naturalmente poderem restituir inteiramente a riqueza da correspondente experiência social vivida.
Por consistência designamos a característica distintiva de uma obra em que é reconhecível um núcleo duro cuja progressiva elaboração, aprofundamento ou transformação serve de fio condutor para o entendimento de uma trajectória. Evitando oscilações gratuitas ou repetições bloqueadoras. Chamamos núcleo duro a um conjunto de temas, problemas, atitudes, questões ou obsessões sucessivamente recolocado e reformulado ao longo de um processo de consolidação e enriquecimento de uma obra e da nossa relação com ela. Um mais sentido, que é simultaneamente um mais saber e uma mais sentir, e que nos vamos habituando a experimentar e reconhecer como especifico “idioma” ou da “maneira” de um autor particular.
Por contemporaneidade designamos capacidade de, sem quebra da consistência que lhe é própria, um trabalho se situar num contexto mais amplo e nos permitir articular questões relevantes da nossa experiência social e cultural global. Demos atrás alguns exemplos de questões a reter, neste âmbito, na década em curso.
A consistência e contemporaneidade não são, evidentemente, atributos que possam ser fixados e demonstrados num discurso que, para cada autor, enunciasse de forma definitiva a verdade da obra.
O processo do discurso é um processo que acompanha o trabalho do artista e se desenvolve a partir do fazer da obra e das formas concretas da sua presença contextual.
A antologia de textos que é componente fundamental deste catálogo visa dar conta deste processo ao mesmo tempo que pretende constituir uma base documental para o estudo destes autores. Nessa medida foi privilegiada a diversificação de pontos de vista e de registos e foi dada prioridade à reprodução dos textos menos acessíveis, designadamente os publicados em jornais ou no estrangeiro em detrimento dos incluídos em livros ou catálogos, mais fáceis de localizar.



The aim of this exhibition is to show the work of ten authors who have had a great and decisive role in current Portuguese art and who are, or may be, with the right institutional acceptance, full component parts of the international situation in contemporary art.
In the most pragmatic field, and once national geographical realities have been established, the exhibition is governed by chronological and dimensional parameters.
A signed choice only has advantages when it is clear and precise. The result is a selection of ten artists and the dividing of the exhibition into two parts in order to allow the showing of a minimally significant number of works by each one. To reinforce individualization, the partitioning into two groups criteria which have to do with diversification and not homogenization. Furthermore, in terms of size, on the one hand the exhibitional space and its conditionalisms were taken into account, and, on the other, there is an option as to mounting the works which tries to make each object visible without excessive negative influences, permitting each artist to receive specific attention and an individual reading of the works.
In the choice of the works – carried out in direct collaboration with the artist – an attempt was made to find one which correspond to different moment of the author’s work throughout the period in question and which, without loss of representativity, were whenever possible less well-known to the public.
The mounting follows principles of individualized visibility for each artist and gives equal treatment to all of them. From this idea came the option to give each artist an autonomous and more closed space, which he or she occupies exclusively, and to distribute their presences in a more balanced manner in the more open spaces.
Another propose in the arrangement was, as far as the works and physical working conditions allow, to show outdoors works, attracting due attention to the magnificent space which surrounds the Casa de Serralves and to the great amount which the reading of the work may gain in the being presented in a great open space.
In chronological terms, the point of view is the present, having a universe of reference from which to operate the choices of work over the last ten years by artists whose careers were then going through phases of affirmation or definition of a public image which is now consolidated. Therefore, works whose public we consider not to be defined or still in a more remote period were left out of this universe of reference.
We kept this period not because it encloses any aesthetical, programmatical, or ideological unity, but because, putting aside the margin of arbitrarity which any chronological caesura implies, it corresponds to a specific social and cultural context on the national level. A context characterized by strong and dynamic affirmation of wide group of artists and other cultural agents in the area of fine arts, a remarkable increase in interest by the general public and the communication media, and a notable, although still limited, international opening to the Portuguese artistic scene.
This set of circumstances allows one to formulate the deliberately optimistic hypothesis that the previous decade in Portugal has seen, in the field of fine arts, and despite serious blocks and institutional limitations, a changing of the situation which has made it possible to abandon the traumas of small-mindedness and inferiority complexes and to develop practices and attitudes which are in step with the times and the stronger dynamisms of artist creation on a international level.
The period chosen, as one can see by simply consulting the dates of the works, is that of the passing of the 80’s to the 90’s, the turning of 80 into 90. We are faced with works and authors who defined themselves after a personal distancing in relation to the models which characterized the end of 70’s and the beginnings of the 80’s (namely the “new expressionisms” and the “free configurations”) and who have since then taken on a consistency and individuality which now places them in privileged positions of articulation with problems and themes which are decisive in the 90’s.
Without trying to be exhaustive, let the following matters serve as examples: matters like the status of the human body and its representation, archetypes of occupation of the representation of space, the history of art as an analytical space and one of recomposition of plastic elements, the limits and frontiers of disciplines like painting and sculpture, the specificness of the artistic object and of its definition when confronting other types of objects, art’s capacity to have a social role. Themes which, in their diversity, and among many others, form some of the possible paths into the works, which are equally diverse, of the artists here represented, and which are also insistent topics in the contemporary cultural and artistic debate.
In terms of method, we opted to give greater importance to the individuality and diversity of the works, fleeing from agglutinating speeches, based on supposed national identities, alleged doctrinal conformities or circumstantial concertations of conjure. Texts which are very frequent in collective exhibitions and which are also theorically abusive and ethically reductive of the works as to the nature of the relationships which they promote between themselves and the works.
Now the more pragmatical criteria have been explained, it is wise not to avoid the always-controversial issue of the personal and subjective criteria.
It is known that there are not objective, technical and scientific criteria of assessing art, even less so modern art, which has not yet been subjected to the factor of historical consecration. Any choice is always personal and subjective. Which doesn’t prevent it being oriented by explicable criteria. In this case we used the criteria of dynamism, consistency, and modernity.
By dynamism we mean the richness and intensity of the presence of the author and his work in the social and cultural context concerned. This aspect can be gauged by the set of the work carried out and exhibited, by the attention, reflection and debate which has provoked and equally by the amount of initiatives it has been involved in. The detailed curricula and bibliographies written for this catalogue form an adequate testimony to this without, naturally, being able to transmit totally the richness of the corresponding social experienced which has been lived through.
By consistency we mean the distinctive characteristic of a work in which a hard nucleus is recognisable, whose progressive elaboration, deepening or transformation provides a central thread for the understanding of a trajectory. Avoiding gratuitious oscillations or blocking repetitions. We call the hard nucleus a group of themes, problems, attitudes, issues or obsessions which are successively restudied and reformulated throughout the working process, which is also a process of consolidation and enriching of a work and of a relationship with it. An extra sense, which is simultaneously an extra knowledge and an extra feeling, and which we get used to feeling and recognising as specific to the “idiom” or the “manner” of a certain author.
By modernity we mean the capacity a work as to, without losing its particular consistency, be located within a wider context and to allow us to articulate questions relative to our overall social and cultural experience. We have given some examples of this above, in relation to this decade.
Consistency and modernity are not, obviously, attributes which may be fixed and demonstrate in a discourse which, for each other, might enunciate the truth of the work in a definitive manner.
The process of the discourse is a process which accompanies the artist’s work and is developed from a doing of the work and the concrete forms of its contextual presence.
The anthology of texts which is a fundamental component of this calatogue aims at showing this process at the same time as intending to form a documental base for the studying of the authors. In this sense the diversity of points of view and registers has been important and priority was given to less accessible texts, namely those published in newspapers or abroad, over those which are included in books and catalogues, being much more easily available. 
(Tradução: David Prescott) 

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Texto de introdução do Catálogo '10 Contemporâneos l Fernando Pernes, Alexandre Melo, Porto: Fundação de Serralves, 1992' da Exposição comissariada por Alexandre Melo. (pp. 9-12)

A ÚLTIMA ARTE




ARTMOVIE
Pedro Portugal & Adriana Alcântara




Film still. Pedro Portugal & Adriana Alcântara. ARTMOVIE. 2014

Se há assuntos dos quais se pode dizer que têm demasiado assunto, um deles é, por certo, o cinema. Mesmo quando se trata, como é aqui o caso, de abordar apenas a relação entre cinema e arte (aqui entendida na aceção mais estrita de artes plásticas ), através da montagem de excertos de filmes em que aparecem obras de arte, identificadas ou referenciadas enquanto tais. Claro que o uso da palavra “apenas” foi abusivo.
As possibilidades são infinitas. Por isso este trabalho de Pedro Portugal e Adriana Alcântara tem uma escala e uma ambição que o condenam à partida ao sucesso e ao fracasso. Sucesso porque é difícil não querer saber, de entre todas as infinitas possibilidades de seleção e montagem de cenas, quais foram adotadas pelos autores. Fracasso porque a cada momento nos lembramos do que poderia lá estar e não está, de outros instantes para cortar e colar, de conexões, confrontos  ou critérios de organização temática e estrutural que não foram escolhidos. Deixamos esta avaliação ao livre arbítrio de cada observador, porque caso optássemos por uma tentativa de sistematização de uma análise deste tipo ( o que falta em vez do que está e como deveria estar em alternativa ao modo como está ) nunca mais saíamos daqui ( como os autores terão tido ocasião de constatar durante o trabalho de montagem ).
“Nunca mais saíamos daqui”, no sentido mais literal da expressão. Não haveria tempo ( tempo, repito ) suficiente para abordar o tema de forma sistemática ( já nem digo esgotar ). Este despretensioso jogo de palavras permite avançar para algumas hipóteses gerais a respeito da relação entre arte e cinema, enquanto tema.
Como é sabido, no início da sua história, o cinema viu ser-lhe recusado pelos especialistas (de arte) o estatuto de arte. Talvez por isso as obras de arte e os (verdadeiros) artistas aparecem nalguns filmes (tendencialmente mais antigos) como coisas extraordinárias. Levou tempo até ser concedida ao cinema a distinção de ser arte. A sétima arte. Julgo que sétima no sentido cronológico (data do aparecimento) e não no sentido hierárquico ( nível de qualidade ). Mesmo assim, ainda hoje há quem entenda útil discutir se o cinema é arte ou indústria ou tentar distinguir entre cinema que é arte e cinema que não é arte. Evidentemente não vou comentar estes tópicos.  
Quando por fim foi aclamado como arte, o cinema já nem precisava de o ser (e na verdade tanto se lhe dava como ainda hoje se lhe dá), porque entretanto se tornara (como ainda hoje se torna, cada vez mais) a única categoria ( enquanto prática artística mas também enquanto conceito ) que se pode relacionar diretamente ( isto é, no mesmo plano ontológico e epistemológico ) com a noção de realidade ( seja qual for o estatuto que se lhe queira atribuir ). Com o cinema, a relação entre artes plásticas e realidade passou a ser um tema com um interesse quase só historiográfico. Há quem entenda que as formas específicas da evolução das artes plásticas (modernismos e por aí fora) desde o aparecimento do cinema devem ser explicadas, antes de mais, pela própria expansão e triunfo global do cinema. Ou seja, a questão da relação entre arte e realidade passou a ser uma questão do cinema. Isto para evitar dizer que cinema e realidade se tornaram (quase) equivalentes. Talvez por isso nalguns filmes (tendencialmente mais recentes) as obras de arte aparecem como objeto de paródia ou chacota.
Em termos mais práticos, e passando para o campo da arte contemporânea, assistimos à emergência da transdisciplinaridade como uma das principais caraterísticas das atuais dinâmicas criativas. Um dos efeitos é a generalização do uso do cinema pelas artes plásticas (e outras disciplinas), quer como técnica de trabalho, quer como material de referência. É como se cada vez mais, para a arte contemporânea, o cinema tivesse passado a funcionar como história da arte se não mesmo como história (da realidade). Neste sentido podemos imaginar que, no futuro próximo, o grande gesto destrutivo não consista em destruir obras primas da história da arte (como vemos em tantos filmes e também na prática quotidiana dos terroristas) mas sim em destruir filmes.
A generalização da transdisciplinaridade tem como consequência uma essencial desestabilização das definições identitárias de artista ou cineasta (surgem híbridos como o artista que faz filmes, filmes de artista, o cineasta que faz arte, etc). No plano mais institucional, uma outra consequência é um cruzamento de circuitos de circulação mercantil e legitimação discursiva, que adquire um peso crescente na gestão das carreiras e dos critérios curatoriais ou de programação de cada vez mais pessoas e instituições. Cada vez mais artistas plásticos (de origem) fazem filmes ( e apresentam-nos em festivais de cinema), cada vez mais cineastas (de origem) apresentam os seus filmes em locais institucionais de artes plásticas (galerias, museus, grandes exposições) ou fazem obras de artes plásticas (normalmente fotografias ou instalações mas também esculturas, desenhos ou outra coisa qualquer). Muitos artistas, a partir do mesmo material de base, fazem versões para sala de cinema, festival de cinema, grande exposição, galeria de arte, colecionador privado, etc. É uma situação normal ( e poderíamos dizer que seria uma solução óbvia se alguma vez tivéssemos admitido que existia um problema) e uma consequência de um contexto em que a especificação do estatuto da atividade criativa deixou de ter de ser feita em função das categorias disciplinares tradicionais. As motivações e as vantagens deste tipo de multiplicação e cruzamento de circuitos podem ser de natureza económica (diversificação de fontes de financiamento ou rendimentos), intelectual (enriquecimento e diversificação dos discursos de legitimação e instâncias de debate intelectual) sociocultural (ser famoso em dois mundos é melhor do que num só) ou, pura e simplesmente, filosóficos, isto é, civilizacionais : cada vez mais, os artistas, tal como deveriam fazer todas as pessoas, fazem o que querem, até porque, por definição, não têm mais nada para fazer.
Mas então, perguntarão : “What does it mean ?”. A resposta é simples : “Whatever you want it to mean.”
Para terminar vou contar uma história cuja relação com este texto levaria demasiado tempo a explicar. Há já muito tempo, no último dia de uma exposição de fotografias de Robert Rauschenberg, em Nova Iorque, um colecionador importante entrou na galeria, e o vendedor, apercebendo-se de que só restava para venda uma fotografia de um pepino, comentou, com apaixonado entusiasmo: “Look at the freshness of the vegetable !”


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Texto realizado por ocasião da projecção do filme ARTMOVIE de Pedro Portugal e Adriana Alcântara, no Centro de Arte Contemporânea (CAM), de Novembro a Dezembro de 2014.