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DOSSIER PORTUGAL - PEDRO CASQUEIRO



Pedro Casqueiro
Flash Art, 1988



Pedro Casqueiro é praticamente da mesma idade (cerca de trinta anos) que os outros artistas que já aqui apresentamos, sem nunca deixar de os aproximar e de sintetizar o seu trabalho num resultado que é final mas também aberto e equilibrado. Durante a criação de cada pintura, Casqueiro tenta diferentes situações até encontrar a que, encaixando-se na eficacidade do todo, permite um maior grau de ambiguidade e surpresa. A mesma lógica se aplica à utilização das cores. As combinações funcionais são escolhidas pela sua capacidade de integrar disposições inesperadas, susceptíveis de produzir estímulos visuais inovadores. Esta estratégia deu lugar, no início da década, a pinturas muito trabalhadas, que juntavam formas figurativas e geométricas, sobreposições e montagens, uma grande diversidade de cores, espaços e partes componentes. Nos seus trabalhos mais recentes, a complexidade mantém-se mas existe um maior controlo sobre as partes usadas. Passou-se da profusão à contenção. É sempre uma questão de descobrir, n aquilo que fazemos, aquelas formas justapostas, choques e conciliações que nos permitirão continuar a funcionar, e garantir que o acto de funcionar será sempre um acto aberto.

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Alexandre Melo, “Dossier Portugal”, in Flash Art, Milão, nº138, Jan./Fev.,1988.

PEDRO CALAPEZ



Fundação Calouste Gulbenkian
Desenhos sobre madeira, 1989


Nas duas exposições realizadas recentemente por Pedro Calapez, foram exibidos trabalhos dos dois últimos anos. Estas pinturas englobam, quanto aos materiais e execução, as principais características dos primeiros trabalhos do pintor iniciados em 1983-84. O suporte utilizado foi a madeira em bruto, por vezes coberta por uma leve camada de cinza. À primeira vista, as pinturas consistem numa acumulação obstinada de gestos garatujados e de contornos criados quer por grafite preta quer por gravação na superfície da madeira. O método de desenhar de Calapez define-se por uma sensualidade perspicaz, que não tem, contudo, a ver com o drama psicológico do expressionismo vibrátil. Trata-se, pelo contrário, de uma sensualidade física que resulta da oposição entre os gestos das mãos e a resistência objectiva dos materiais, criando assim uma sensualidade própria do que é manual.

No que diz respeito à composição, o resultado deste processo é a criação de uma nebulosa espacial que dá à sua pintura uma transparência e profundidade paradoxais. Desta atmosfera única, podemos destacar um número de contornos e formas básicas principais que sugerem truques de perspectiva geométrica ou estruturas cenográficas ou arquitecturas elementares. Sugere-se ainda a existência de objectos tais como poços, mesas, altares, tronos e sepulturas que, devido ao isolamento a que estão sujeitos, adquirem um peso religiosamente simbólico. Neste trabalho predominam formas que nunca emergem completamente mas que pairam no limite da própria realização, como que recuperadas de um todo perdido.

Poderíamos então dizer que a pintura de Calapez tenta recuperar as fundações ou o que resta das estruturas e crenças. Depois de se ter perdido toda a naturalidade da presença humana, todo o sentido da totalidade, a tarefa que nos fica é a de criar um espaço – tanto real como abstracto – no qual se torne possível repor signos essenciais e valores perdidos.


Contrariamente ao que faz em trabalhos anteriores, Calapez já não representa aqui o céu explorando a densidade, as cores, a luminosidade; em vez disso, cria o seu próprio céu.

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Alexandre Melo, Pedro Calapez – Fundação Gulbenkian, in Flash Art, Milão, Outubro, 1989

DOSSIER PORTUGAL - PEDRO CALAPEZ



Pedro Calapez
Flash Art, 1988



Pedro Calapez cria também um espaço genético. Mas em Calapez a diferença é que a violência se converte em retirada, a guerra em silêncio e o dourado em prateado. Esta interioridade parece disfarçada porque se apresenta como um espaço cénico, de espectáculo. Contudo é sempre um estádio pessoal duma realidade impossível, lugar de uma intimidade última. A relação com o exterior torna-se dupla: faz-se a partir da utilização de formas volumétricas que tomam dimensões arquitecturais quando em contacto com o movimento das linhas horizontais; e a partir da articulação das formas de acordo com o conhecimento das proporções antigas e sagradas, ou de acordo com a ambiguidade da sua destruição deliberada pela acção subjectiva do autor.


A sequência desta evolução fez com que Calapez simplificasse os referentes volumétricos e começasse a elaborar composições mais complexas aumentando o número de pontos de vista daqueles elementos formais escassos. As tensões internas/externas e a simplificação/complexificação são visíveis na afirmação linear que as formas volumétricas tentam adquirir; assim como na conjugação de soluções tridimensionais ilusórias com elementos pictóricos bidimensionais. A solução última é o predomínio das qualidades dos elementos abstractos em toda a composição. Tudo emerge como que dependente dum olhar analítico, dum jogo de sangue frio, que nos remete para um situação post-mortem. Enquanto espaço abstracto, próximo do fim da história, a pintura de Calapez surge para testemunhar uma realidade perdida; manuscrito incompleto da memória de um conhecimento que precisa de ser decifrado, como um enorme mapa do céu que fascina o nosso olhar.

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Pedro Calapez created a genetic space. But in Calapez the difference is that violence becomes a retreat, war becomes silence, and the golden colour turns silver. This inferiority appears to be disguised, because it presents itself as a scenic space, a show-place. However, it is always a personal stage of an impossible reality, a place with ultimate intimacy. The relation with the exterior becomes twofold: from the use of volumetric forms that gain architectural dimensions when they come into contact with the movement of horizontal lines; and from the articulation of the forms according to knowledge of the ancient and holy proportions of its deliberate destruction by the author’s subjective action. 

The sequence of this evolution made Calapez simplify the volumetric referents and start to make more complex compositions by the increasing number of points of view of those scarce formal elements. The internal/external tensions and the simplification/complexification are visible in the straightforward affirmation which the volumetric forms tend to gain; and in the conjugation of tridimensional illusionary solutions with bi-dimensional pictorial elements. The ultimate solution is the domination of the qualities of abstract elements throughout the composition.

Everything emerges as if dependent on an analytical look, on a coldblooded game, as in a post-mortem situation. As an abstract space, closed to the end of history. Calapez’s painting emerges to witness a lost reality; memory’s incomplete manuscript of a knowledge that needs to be deciphered, like an enormous sky map that clings to our eyes.

Traduzido por/Translated by: Maria Madalena Simões Proença


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Alexandre Melo, “Dossier Portugal”, Flash Art, Milão, nº138, Jan/Fev, 1988

GERARDO BURMESTER




Maio/Junho, 1990
May/June, 1990




Poison, 1989. Madeira e couro/Wood and leather.


Os trabalhos mais recentes de Gerardo Burmester podem ser abordados por descrição formal. A execução escrupulosa e o controlo exclusivo dos efeitos visuais faz com que seja possível realçar as características mais proeminentes. A acção combinada de texturas (madeira e couro) dão uma ressonância sensual a materiais que não têm habitualmente uso artístico. As cores quentes e fortes – vermelhos, preto, castanho – provocam sentimentos a partir do que poderia ser apenas um simples jogo abstracto de formas e construção.
Contudo, ao colocar a análise sob o ponto de vista da atitude em vez do da descrição formal, vem-nos à ideia o que se poderia chamar um romantismo ilusório.
Por romantismo ilusório entende-se aqui uma atitude em que a necessidade interior e a obstinação que estimulam o trabalho se conjugam com um tipo de indiferença e frieza relativas a cada um dos trabalhos. É como se os resultados sucessivos do processo do trabalho fossem auto-sabotados e condenados a reprimir e sufocar o impulso emocional que os desenvolve, como se fossem obrigados a distanciar-se das suas raízes afectivas, das suas origens, para surgirem destinados a um objectivo de perfeccionismo formal puro e frio em que o próprio estilo seria indiferente ou substituível, visto que não deve justamente revelar o estilo do artista.
No entanto, o processo de repressão não é nunca exaustivo. Nas peças mais recentes, por exemplo, é verdade que os materiais e a forma como são empregues sugere um lógica fria que pode ser conotada com a produção industria de objectos. Por outro lado, as sugestões sensitivas e, por assim dizer, os sentidos reprimidos são expressos em articulações afectivas subtis, por vezes reforçadas pelos títulos, em cada peça ou entre várias peças.

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Gerardo Burmester’s most recent works can be approached from formal description. The scrupulous execution and exclusive control of visual effects makes it possible to highlight the most outstanding characteristics. The interplay of textures (wood and hide) gives sensual resonance to materials conjuring up non-artistic uses. The hot, strong colors – red, black, brown - provoke feelings in what could be a simple abstract game of shapes and construction. However, in locating the analysis from point of view of attitude rather than formal description, what might be called a deceptive romanticism springs to mind.
By deceptive romanticism is here meant an attitude in which the interior need and obstinacy stimulating the work are conjoined with a type of indifference and coldness relative to each of the works. It is as if the successive results of the working process were self-sabotage and condemned to repress and suffocate the emotional impulsive giving rise to them, as if they were obliged to distance their affective roots, their origins, to arise as if destined for an objective of pure and cold formal perfectionism in which the very style would be indifferent or replaceable, since it is intended precisely not to reveal the style of the artist.
The process of repression, however, is never exhaustive. In the most recent pieces, for example, it is true that the materials and the way they are employed suggest a cold logic that can be connoted with industrial processes for producing objects. On the other hand the sensitive suggestions, and, as it were, repressed sense are expressed in subtle effective articulations, sometimes reinforced by the titles, in each piece or between the various pieces
(Tradução: Maria Madalena Simões Proença)

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Alexandre Melo, Gerardo Burmester, in Flash Art, Milão, n. 152. Maio/Junho 1990