ARTFORUM
Outubro/October 2016
Sobretudo se o analisarmos no contexto político e cultural do Brasil nos anos 60 e 70.
“Young Male“, é precisamente o título da exposição (com curadoria de Eder Chiodetto) apresentada no novo espaço (inaugurado em Março) da Galeria Casa Triângulo (um admirável projeto da Metro Arquitetos Associados) que reúne o maior número de fotografias do autor já apresentadas num espaço comercial.
Alair Gomes tem background nas áreas da engenharia e ciências exatas mas desde cedo manifestou uma
fixação na temática do corpo masculino, abordado numa perspetiva estética mas
também filosófica, indissociáveis da sua própria experiência de vida e relações
quotidianas. A reflexão e especulação que começou por se manifestar em diários
(escritos em inglês) acabou, nos anos 60, por encontrar na fotografia a sua
mais acabada forma de expressão.
A exposição mostra trabalhos
representativos das várias perspectivas e metodologias fotográficas através das
quais o autor abordou o seu tema.
Na série “Viagens
(Europa/Arte)” (de que são mostrados 17 exemplos), realizada aquando de uma
viagem à Europa em 1969, o artista capta imagens das formas ideias do corpo
masculino tal como as encontramos na arte clássica.
Estas imagens podem ser
vistas em paralelo com as 35 imagens (de um total de 1767) da série “Symphony
of Erotic Icons” (1966/1978). O conjunto aqui reunido pode ser visto como uma
espécie de enciclopédia organizada segundo princípios rítmicos, assumindo
diferentes graus de aproximação (do corpo inteiro aos grandes planos dos orgãos
sexuais, passando por distancias intermédias e diferentes áreas do corpo) ao
corpo nu masculino. Poderíamos dizer que nesta série predomina uma preocupação
de sistematização estética oriunda de uma inspiração nos valores da arte
clássica.
Já no conjunto de 39 fotos
de uma mesma pessoa (“Sem Título”, 1970/1980), fotografada na intimidade de um
espaço privado, podemos ver como que um capítulo de um diário que documenta a experiência real do encontro concreto com um corpo específico. Apesar desta
sensação de intimidade nunca são convocadas instancias de encenação, de
interação a dois ou quaisquer peripécias narrativas ou anedotas
circunstanciais. Trata-se sempre e apenas da constatação e observação da
presença e da imagem do corpo de um homem.
Como que a meio caminho
entre a (relativa) distancia estética e a (relativa) proximidade do retrato
íntimo, surgem 3 fotografias de 1969 (a que se associam materiais documentais
apresentados numa vitrine, incluindo um dos diários) de uma das séries mais
conhecidas do autor (“A Window in Rio”). Nestas séries, Alair Gomes, a partir
da varanda do seu apartamento em Ipanema, foca a atenção da sua câmara sobre os
corpos que se passeiam no calçadão ou se dedicam a atividades de recreação
física na praia. Não se trata, em sentido estrito, de voyeurismo já que se
trata da simples observação de movimentos de corpos (quase nus) no espaço
público. A principal qualidade e o maior carácter distintivo do trabalho de
Alair Gomes residem na intensidade do olhar que mergulha sobre as banais
atividades estivais de milhares de corpos pelos quais qualquer um pode passar,
ainda hoje em dia, nas praias do Rio. Através do trabalho de enquadramento e da
composição musical das sequências de imagens, o olhar do artista encontra
nestes corpos a matéria prima de uma forma de representação (dos corpos vivos
dos homens) que nos remete diretamente para os ideais clássicos associados à
noção de beleza e à sua aspiração idealista a constituir-se em valor eterno.
Falamos de uma atitude filosófica e de uma prática de produção de imagens que
acreditava que os valores transcendentes (a verdade da beleza de um corpo)
podem ser captados na simplicidade da presença de um corpo numa praia.
.......................
Texto publicado na revista
mensal Artforum, na edição de Outubro de 2016, por ocasião da exposição “Young
Male” de Alair Gomes, comissariada por Eder Chiodetto, na Casa Triângulo, São
Paulo, Junho-Julho 2016.