1. Num
momento em que o tema do multiculturalismo está na ordem do dia nos debates
estéticos e ideológicos à escala mundial, torna-se particularmente aliciante
analisar a situação e o trabalho de um artista, em cujo percurso se inscrevem
as marcas de diferentes periferias e sucessivas distâncias e deslocações. Em
primeiro lugar temos a distância da ilha da Madeira em relação ao continente;
distância que, por sua vez, se inclui na distância de Portugal, enquanto país
semi-periférico e culturalmente retrógrado, em relação aos grandes centros de
criação artística a nível internacional. Depois, com a deslocação para San
Francisco, Estados Unidos da América, é a distância do emigrante cultural, sobredeterminada
ainda pela ligação privilegiada a um meio cultural periférico, onde predominam
referências hispânicas e "underground". Neste contexto, a actual
instalação de Rigo (Ricardo Gouveia) na Galeria Porta 33, no Funchal, pode ser
vista como um "regresso a casa" propicio a múltiplas reflexões e
problematizações.
2. A primeira
e única exposição individual anteriormente realizada por Rigo em Portugal teve
lugar em 1986 no Espaço Poligrupo – Renascença, em Lisboa. Chamava-se
"Primeira Impressão" e começava por impressionar pela transformação
integral a que o autor submeteu o difícil espaço da galeria para o adaptar ao
seu trabalho. Um trabalho na fronteira entre a pintura e a banda desenhada
marcado por uma relação muito directa com vivências mais ou menos noctívagas ou
"marginais" de Lisboa e São Francisco. Desde então Rigo, que nasceu
em 1966 na ilha da Madeira, tem vivido e trabalhado em San Francisco onde
frequentou o Art Institute e produziu múltiplos trabalhos no âmbito da banda
desenhada e pintura, designadamente pinturas murais para espaços públicos,
algumas delas realizadas em ligação com a comunidade hispânica e com clara
intencionalidade política. Servem por exemplo, para os murais, o "Liberty
Ferry" em Richmond, para a banda desenhada as colaborações no jornal
"Filth", ou, para as exposições, uma individual na Southern Exposure
Gallery, San Francisco, em 1992 ou, no mesmo ano, uma colectiva na LACE em Los
Angeles, com Enrique Chagoya, Julie Murray e Manuel Ocampo, um filipino que foi
uma das "revelações" da última Documenta.
3. Rigo expõe
agora de novo em Portugal, no Funchal, na Galeria Porta 33, uma galeria que
desde 1990 vem desenvolvendo um consistente e exemplar trabalho de divulgação
no âmbito da arte contemporânea. Na actual exposição, intitulada "Largo do
Canto do Muro", Rigo parte de uma problematização complexa do próprio
lugar da exposição. O lugar físico da galeria é completamente transformado. O
chão é coberto por calçada portuguesa, segundo um padrão evocativo do movimento
do mar. Uma das paredes da galeria é deslocada de modo a dar-lhe um aspecto
mais fechado. As paredes são pintadas segundo um padrão abstracto, de cores,
que evoca igualmente a superfície do mar, embora também sugira o grão de um
ecrã de vídeo. Sobre esta base são inscritos dezenas de nomes de localidades,
ruas e sítios da ilha da Madeira. Nomes particularmente ricos de sugestões
poéticas e onde são manifestas as marcas de vivências especificas de
comunidades populares. Nomes que imprimem e entretecem uma espécie de padrão
verbal que poderia ser lido como uma ladainha. O autor consegue, com
assinalável eficácia, reproduzir, no interior do transformado espaço da galeria
uma situação que remete para a situação insular da Madeira, mas também para a
situação geográfica de San Francisco e para a sua própria situação social e
psicológica de artista português vivendo na América, não plenamente integrado
nem no meio americano nem no meio português. Rigo surge-nos assim como um
artista que pensa o seu lugar de origem como espaço poético configurado, à
distância de um oceano, pela ressonância de nomes e sítios que lhe sobrevivem
na memoria da infância e da juventude embalados sempre pelo mar omnipresente.
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Alexandre Melo, por ocasião da exposição RIGO 94: Largo do Canto do Muro, Porta33,
1994
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