Gerardo Burmester
Pedro Cabrita Reis
Pedro Calapez
Pedro Casqueiro
Rui Chafes
José Pedro Croft
Pedro Portugal
Pedro Proença
Rui Sanches
Julião Sarmento
Esta exposição tem por objectivo mostrar o trabalho de dez autores que
marcam de forma decisiva o momento actual da arte portuguesa e que são, ou
poderiam ser, com o devido enquadramento institucional, parte integrante da
situação internacional da arte contemporânea.
No plano mais pragmático, e uma vez estabelecido o âmbito geográfico
nacional, a exposição rege-se por parâmetros cronológicos e de dimensão.
Uma escolha assinada só tem vantagem em ser clara e precisa. O resultado é
uma selecção de dez artistas e a divisão da exposição em duas partes de modo a
permitir mostrar um número minimamente significativo de peças de cada um. Para
reforçar a individualização, a partição em dois grupos segue critérios de
diversificação e não de homogeneização. Acresce que, em termos de dimensão,
foram levados em linha de conta, por um lado, o local de exposição e os seus
condicionalismos, e, por outro lado, uma opção de montagem que tenta tomar cada
objecto visível sem excessivas interferências negativas, e permitir a cada
artista receber uma atenção específica e uma leitura individualizada.
Na escolha das peças, realizada em estreita colaboração com os artistas,
procurou-se que correspondessem a diferentes momentos do trabalho dos autores
ao longo do período de referência e que, sem quebra de representatividade,
fossem, sempre que possível, peças menos conhecidas do público.
A montagem obedece a princípios de prioridade à visibilidade
individualizada de casa artista e de tratamento equitativo de todos eles. Daqui
decorreu a opção por conceder a cada artista um espaço autónomo mais fechado,
que ocupa em exclusivo, e distribuir de forma equilibrada as suas presenças nos
espaços mais abertos.
Um outro propósito da montagem foi o de, na medida em que as obras e as
condições concretas de trabalho o permitiam, apresentar obras de exterior,
chamando assim a devida atenção para o magnífico espaço envolvente da Casa de
Serralves e para o muito que a leitura do seu espaço tem a ganhar com uma ampla
abertura ao exterior.
Em termos cronológicos, o ponto de vista é o do momento actual, retendo
como universo de referência a partir do qual operar as escolhas o trabalho
realizado ao longo dos últimos dez anos por artistas cujas carreiras então
atravessaram fases de afirmação ou definição de uma imagem pública consolidada.
Ficaram assim afastados do universo de referência trabalhos cuja imagem pública
consideramos não estar ainda definida ou já o estar desde um período mais
recuado.
Retivemos este período não porque ele encerre qualquer unidade estética,
programática ou ideológica, mas por julgarmos que, descontada a margem de
arbitrariedade que qualquer censura cronológica implica, lhe corresponde um
contexto social e cultural especifico a nível nacional. Um contexto
caracterizado pela afirmação forte e dinâmica de um amplo conjunto de artistas
e outros agentes culturais activos na aérea das artes plásticas, um notável
aumento do interesse da opinião pública e dos meios de comunicação e uma
assinalável, embora ainda limitada, abertura internacional da situação artística
portuguesa.
Este conjunto de circunstâncias permite formular a hipótese,
deliberadamente optimista, de que ao longo da última década se terá verificado
em Portugal, ao nível das artes plásticas, e apesar de graves bloqueios e
limitações institucionais, uma mutação da conjuntura que tornou possível
abandonar os traumas da pequenez e os complexos de inferioridade e desenvolver
práticas e atitudes ajustadas ao tempo e às dinâmicas mais fortes da criação
artística à escala internacional.
O período retido, como resulta da simples consulta das datas das obras, é o
da passagem da década de 80 para a década de 90, a viragem 80/90. Estamos
perante obras e autores que se definiram depois e a partir de um distanciamento
pessoal em relação aos modelos que marcaram os fins dos anos 70 e os princípios
dos anos 80 (designadamente os “novos expressionismos” e as “figurações livres”)
e que desde então adquiriram uma consistência e uma individualidade que hoje em
dia os situam em lugares privilegiados de articulação com problemas e temáticas
decisivas na década de 90.
Sem pretender ser exaustivo, sirvam de exemplo questões como sejam o
estatuto do corpo humano e sua representação, os arquétipos da ocupação ou da
representação do espaço, a história da arte como fundo da análise e recomposição
de elementos plásticos, os limites e fronteiras de disciplinas como a pintura
ou a escultura, a especificidade do objecto artístico e da sua definição no
confronto com outros tipos de objectos, a capacidade de intervenção social da
arte. Temas que, na sua diversidade, e abordagem das obras, igualmente
diversas, dos artistas aqui reunidos, e que são simultaneamente tópicos
insistentes do debate cultural e artístico contemporâneo.
Em termos de método optamos por valorizar a individualidade e diversidade
das obras apresentadas recusando os discursos aglutinadores de ocasião,
baseados em pretensas identidades nacionais, alegadas conformidades doutrinais
ou concertações conjunturais de circunstância. Discursos muito frequentes em
exposições colectivas e que também frequentemente se revelam teoricamente
abusivos e eticamente menorizadores das obras no que diz respeito à natureza
das relações que promovem entre estas e o discurso.
Uma vez enunciados os critérios mais pragmáticos convem não evitar a sempre
polémica questão dos critérios mais subjectivos, pessoais.
É sabido que não existem critérios objectivos, técnicos, científicos, de
avaliação da qualidade em arte, menos ainda na actualidade em que não funciona
sequer o factor da consagração histórica. Qualquer escolha é sempre pessoal e
subjectiva. O que não impede que seja norteada por critérios explicitáveis.
Neste caso foram aplicados critérios de dinamismo, consistência e
contemporaneidade.
Por dinamismo entendemos a riqueza e a intensidade da presença do autor e
da sua obra no contexto social e cultural em apreço. Esta aspecto é aferível em
função do conjunto do trabalho realizado e mostrado, da atenção, reflexão e
debate que tenha suscitado e, bem assim, do conjunto de iniciativas a que tenha
estado associado. Os currículos e bibliografias detalhados elaborados para este
catálogo constituem a este respeito um testemunho adequado sem naturalmente
poderem restituir inteiramente a riqueza da correspondente experiência social
vivida.
Por consistência designamos a característica distintiva de uma obra em que é
reconhecível um núcleo duro cuja progressiva elaboração, aprofundamento ou
transformação serve de fio condutor para o entendimento de uma trajectória.
Evitando oscilações gratuitas ou repetições bloqueadoras. Chamamos núcleo duro
a um conjunto de temas, problemas, atitudes, questões ou obsessões
sucessivamente recolocado e reformulado ao longo de um processo de consolidação
e enriquecimento de uma obra e da nossa relação com ela. Um mais sentido, que é
simultaneamente um mais saber e uma mais sentir, e que nos vamos habituando a
experimentar e reconhecer como especifico “idioma” ou da “maneira” de um autor
particular.
Por contemporaneidade designamos capacidade de, sem quebra da consistência
que lhe é própria, um trabalho se situar num contexto mais amplo e nos permitir
articular questões relevantes da nossa experiência social e cultural global.
Demos atrás alguns exemplos de questões a reter, neste âmbito, na década em
curso.
A consistência e contemporaneidade não são, evidentemente, atributos que
possam ser fixados e demonstrados num discurso que, para cada autor, enunciasse
de forma definitiva a verdade da obra.
O processo do discurso é um processo que acompanha o trabalho do artista e
se desenvolve a partir do fazer da obra e das formas concretas da sua presença
contextual.
A antologia de textos que é componente fundamental deste catálogo visa dar
conta deste processo ao mesmo tempo que pretende constituir uma base documental
para o estudo destes autores. Nessa medida foi privilegiada a diversificação de
pontos de vista e de registos e foi dada prioridade à reprodução dos textos
menos acessíveis, designadamente os publicados em jornais ou no estrangeiro em
detrimento dos incluídos em livros ou catálogos, mais fáceis de localizar.
The aim of this exhibition is to show the work of ten
authors who have had a great and decisive role in current Portuguese art and
who are, or may be, with the right institutional acceptance, full component
parts of the international situation in contemporary art.
In the most pragmatic field, and once national
geographical realities have been established, the exhibition is governed by
chronological and dimensional parameters.
A signed choice only has advantages when it is clear
and precise. The result is a selection of ten artists and the dividing of the
exhibition into two parts in order to allow the showing of a minimally
significant number of works by each one. To reinforce individualization, the
partitioning into two groups criteria which have to do with diversification and
not homogenization. Furthermore, in terms of size, on the one hand the exhibitional
space and its conditionalisms were taken into account, and, on the other, there
is an option as to mounting the works which tries to make each object visible
without excessive negative influences, permitting each artist to receive
specific attention and an individual reading of the works.
In the choice of the works – carried out in direct
collaboration with the artist – an attempt was made to find one which
correspond to different moment of the author’s work throughout the period in
question and which, without loss of representativity, were whenever possible
less well-known to the public.
The mounting follows principles of individualized
visibility for each artist and gives equal treatment to all of them. From this
idea came the option to give each artist an autonomous and more closed space,
which he or she occupies exclusively, and to distribute their presences in a
more balanced manner in the more open spaces.
Another propose in the arrangement was, as far as the
works and physical working conditions allow, to show outdoors works, attracting
due attention to the magnificent space which surrounds the Casa de Serralves
and to the great amount which the reading of the work may gain in the being
presented in a great open space.
In chronological terms, the point of view is the
present, having a universe of reference from which to operate the choices of
work over the last ten years by artists whose careers were then going through
phases of affirmation or definition of a public image which is now
consolidated. Therefore, works whose public we consider not to be defined or
still in a more remote period were left out of this universe of reference.
We kept this period not because it encloses any
aesthetical, programmatical, or ideological unity, but because, putting aside
the margin of arbitrarity which any chronological caesura implies, it
corresponds to a specific social and cultural context on the national level. A
context characterized by strong and dynamic affirmation of wide group of
artists and other cultural agents in the area of fine arts, a remarkable
increase in interest by the general public and the communication media, and a
notable, although still limited, international opening to the Portuguese
artistic scene.
This set of circumstances allows one to formulate the
deliberately optimistic hypothesis that the previous decade in Portugal has
seen, in the field of fine arts, and despite serious blocks and institutional
limitations, a changing of the situation which has made it possible to abandon
the traumas of small-mindedness and inferiority complexes and to develop
practices and attitudes which are in step with the times and the stronger
dynamisms of artist creation on a international level.
The period chosen, as one can see by simply consulting
the dates of the works, is that of the passing of the 80’s to the 90’s, the
turning of 80 into 90. We are faced with works and authors who defined
themselves after a personal distancing in relation to the models which
characterized the end of 70’s and the beginnings of the 80’s (namely the “new
expressionisms” and the “free configurations”) and who have since then taken on
a consistency and individuality which now places them in privileged positions
of articulation with problems and themes which are decisive in the 90’s.
Without trying to be exhaustive, let the following
matters serve as examples: matters like the status of the human body and its
representation, archetypes of occupation of the representation of space, the
history of art as an analytical space and one of recomposition of plastic
elements, the limits and frontiers of disciplines like painting and sculpture,
the specificness of the artistic object and of its definition when confronting
other types of objects, art’s capacity to have a social role. Themes which, in
their diversity, and among many others, form some of the possible paths into
the works, which are equally diverse, of the artists here represented, and
which are also insistent topics in the contemporary cultural and artistic
debate.
In terms of method, we opted to give greater
importance to the individuality and diversity of the works, fleeing from
agglutinating speeches, based on supposed national identities, alleged
doctrinal conformities or circumstantial concertations of conjure. Texts which
are very frequent in collective exhibitions and which are also theorically
abusive and ethically reductive of the works as to the nature of the relationships
which they promote between themselves and the works.
Now the more pragmatical criteria have been explained,
it is wise not to avoid the always-controversial issue of the personal and
subjective criteria.
It is known that there are not objective, technical
and scientific criteria of assessing art, even less so modern art, which has
not yet been subjected to the factor of historical consecration. Any choice is
always personal and subjective. Which doesn’t prevent it being oriented by
explicable criteria. In this case we used the criteria of dynamism,
consistency, and modernity.
By dynamism we mean the richness and intensity of the
presence of the author and his work in the social and cultural context
concerned. This aspect can be gauged by the set of the work carried out and
exhibited, by the attention, reflection and debate which has provoked and
equally by the amount of initiatives it has been involved in. The detailed
curricula and bibliographies written for this catalogue form an adequate
testimony to this without, naturally, being able to transmit totally the
richness of the corresponding social experienced which has been lived through.
By consistency we mean the distinctive characteristic
of a work in which a hard nucleus is recognisable, whose progressive
elaboration, deepening or transformation provides a central thread for the
understanding of a trajectory. Avoiding gratuitious oscillations or blocking
repetitions. We call the hard nucleus a group of themes, problems, attitudes,
issues or obsessions which are successively restudied and reformulated
throughout the working process, which is also a process of consolidation and
enriching of a work and of a relationship with it. An extra sense, which is
simultaneously an extra knowledge and an extra feeling, and which we get used
to feeling and recognising as specific to the “idiom” or the “manner” of a
certain author.
By modernity we mean the capacity a work as to,
without losing its particular consistency, be located within a wider context
and to allow us to articulate questions relative to our overall social and
cultural experience. We have given some examples of this above, in relation to
this decade.
Consistency and modernity are not, obviously,
attributes which may be fixed and demonstrate in a discourse which, for each
other, might enunciate the truth of the work in a definitive manner.
The process of the discourse is a process which
accompanies the artist’s work and is developed from a doing of the work and the
concrete forms of its contextual presence.
The anthology of texts which is a fundamental
component of this calatogue aims at showing this process at the same time as
intending to form a documental base for the studying of the authors. In this
sense the diversity of points of view and registers has been important and
priority was given to less accessible texts, namely those published in
newspapers or abroad, over those which are included in books and catalogues,
being much more easily available.
(Tradução: David Prescott)
Texto de introdução do Catálogo '10 Contemporâneos l Fernando Pernes, Alexandre Melo, Porto: Fundação de Serralves, 1992' da Exposição comissariada por Alexandre Melo. (pp. 9-12)
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