Cildo Meireles. Zero Cruzeiro. 1974-1978 |
Se existe um
mercado para as obras de arte é porque há quem as queiras comprar.
Relativamente às motivações económicas que estão na base da atitude dos
compradores podemos distinguir três objectivos: a longo prazo, a reserva de
valor; a médio prazo, o investimento; a curto prazo, a especulação.
Se nos
colocarmos numa perspectiva de médio prazo – três ou quatro décadas, grosso
modo -, o grau de risco e imprevisibilidade é elevado. As variações de gosto, a
lógica pendular dos movimentos estéticos, ou os ritmos das modas, podem ditar
alterações radicais e inesperadas. Os estudos que ponderam apenas factores de
natureza estritamente económica e que se situam numa lógica de médio-longo
prazo tendem, de resto, a desaconselhar o investimento em arte porque o número
de factores imponderáveis e o nível de risco são demasiado elevadores quando
comparados com investimentos alternativos.
No curto
prazo a situação deve ser analisada numa perspectiva diferente e remete
sobretudo para uma lógica especulativa que só tem possibilidade de se
manifestar em períodos de instabilidade do mercado: períodos de euforia ou de
recessão, marcados por variações muito rápidas de preços. Neste caso, como se
sabe, é possível registar ganhos ou perdas consideravelmente elevados num
espaço de tempo relativamente curto. Tudo depende da qualidade, extensão e
velocidade de actualização das informações de que se dispõe. Tudo depende de se
ter acesso aos círculos artísticos mais dinâmicos e poder obter a tempo as
indicações relativas a quem, quando, onde e a quanto comprar e vender. Só que
tais informações nunca são absolutamente seguras e há sempre uma larga margem
de aposta, risco e intuição ou improvisação. Se assim não fosse, aliás, todos
os agentes bem informados teriam sempre um êxito absoluto em todas as suas
iniciativas e sabe-se que isso não acontece.
A obtenção de
informações em condições ideais depende da possibilidade de acesso pessoal e
convivial a um conjunto informal, mas bastante restrito e fechado, de agentes
culturais, em que avultam os próprios artistas mais famosos e os
coleccionadores, galeristas e responsáveis de museus de maior prestígio. A
inclusão numa tal rede de relações implica uma disponibilidade, um
empenhamento, uma solidariedade e uma cumplicidade nos planos social, convivial,
humano e intelectual que só pode verificar-se quando existe uma motivação
pessoal e cultural autêntica e profunda.
Quanto à
intuição ou sensibilidade, ou ainda o “olho” ou o “faro”, como se lhes costuma
chamar, são factores que remetem, também eles, para uma área de confluência
entre psicologia individual e um rede de conexões sócio-culturais. O mercado de
arte, como qualquer mercado, tem uma lógica económica, mas, ao contrário de
outros, não é compreensível através de avaliações estritamente económicas. Nos
que diz respeito aos objectivos de longo prazo, as obras de arte são encaradas como
reserva de valor na medida em que são bens cujo valor se supõe poder resistir à
passagem dos anos.
O raciocínio,
mais ainda do que à arte contemporânea, aplica-se a obras já consagradas pela
história e em relação às quais funciona o factor de raridade – isto é, já não
se podem produzir mais. Em todo o caso, existe sempre um risco. As próprias
valorizações feitas pela história da arte estão sujeitas a flutuações, não só
devido a mudanças de gosto ou de perspectivas de análise, mas também devido à
evolução das técnicas de autenticação que ultimamente têm vindo a provocar
pequenas, mas dramáticas, crises de atribuição de autoria e detecção de
falsificações. Além disso, a importância que cada sociedade concede à arte
varia muito de época para época, com as correspondentes repercussões nas
variações dos preços das obras.
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Alexandre Melo, “Arte e Mercado”, in Arte Ibérica, Ano 4,
Nº1, Lisboa, Janeiro 2000
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