Retrato de Marcantonio Vilaça |
Num curto
período de tempo, Marcantonio, à frente da Galeria Camargo Vilaça, em São
Paulo, tornou-se um dos maiores embaixadores da arte contemporânea brasileira.
Em Portugal, na Europa, dos Estados Unidos, em todo o mundo da arte, a sua
galeria, o seu trabalho, as suas palavras e os seus gestos, deram um contributo
decisivo para colocar os nomes dos artistas brasileiros de hoje no lugar de
destaque que a vitalidade e originalidade dos seus trabalhos reclamam e
merecem, e que, feliz e finalmente, começam agora a ocupar. Em Veneza ou em
Nova Iorque, em Lisboa ou em Paris, onde quer que se falasse da América Latina,
o nome de Marcantonio tornou-se rapidamente um dos primeiros nomes nas agendas
e nas conversas da gente da arte.
A partir do
ponto de vista de quem trabalha num país pobre da periferia europeia, como é
Portugal, é possível avaliar devidamente a dimensão ciclópica do trabalho de
divulgação e promoção que é necessário desenvolver para, num curto espaço de
tempo, ultrapassar uma enorme acumulada distância geográfica, histórica e
cultural, e os correspondentes complexos de inferioridade, e afirmar o trabalho
dos criadores dos nossos países, de uma forma ambiciosa e desassombrada, como
parte plenamente integrante da dinâmica da criação artística contemporânea, à
escala mundial. Para que um tal trabalho produza resultados rápidos e visíveis,
são necessários um empenhamento e uma entrega sem limites.
De
Marcantonio conhecemos o profissionalismo exemplar, a assombrosa energia, a
absoluta dedicação ao trabalho, a obstinação sem quebra na defesa dos seus
artistas, dos seus princípios, dos seus valores. Os valores de uma cultura
contemporânea viva, aberta, dinâmica, cosmopolita. Uma cultura brasileira e
cosmopolita, porque quando se trabalha no plano da verdade, não há contradição
entre culturas locais, culturas nacionais e culturas globais. E este é o verdadeiro
espírito do cosmopolitismo, o espírito de Marcantonio, príncipe brasileiro de
uma arte sem fronteiras.
Falei de
profissionalismo, de sucesso, de capacidade de trabalho de afirmação. De tudo
isso vive o mundo da arte contemporânea e vivemos todos nós. Os que não
conhecem o mundo da arte, os que nunca o viveram por dentro, e dentro de si
próprios, pensam mesmo que é só disso que vive o mundo da arte: fama e sucesso.
Mas não é verdade.
O que é que
faz correr, então, essa coisa louca que é o mundo da arte? É a vontade de viver
das pessoas que querem viver uma vida mais rica, mais intensa, mais veloz. Uma
vida excepcional, que faz apelo a tudo aquilo que não tem lugar nas rotinhas
burocráticas e tecnocráticas das vidas quotidianas mais banais.
Estou a falar
de desejos de pessoas que querem encontrar pessoas extraordinárias, que querem
gastar noites inteiras em discussões extravagantes, que querem sentir emoções
fora do comum, que querem ser confrontadas com objectos incompreensíveis, que
querem lidar com desafios intelectuais nos limites do absurdo. Não poupam
horas, nem a energia, nem as palavras, nem os sentimentos.
É isto que
faz bater o coração do mundo da arte. A vontade de sentir mais. A obstinação na
exigência de mais. Mais de tudo, de outra maneira. sempre mais e sempre de
outra maneira.
Todos os
momentos que passei com Marcantonio foram momentos de entusiasmo, exaltação,
bem estar, alegria. A alegria da comunhão, da fraternidade, da cumplicidade.
Esta é a
maior riqueza do mundo da arte. E não há maior riqueza que o coração de um nos
possa revelar. A alegria dos entusiasmos e dos sentimentos partilhados é
imortal. Porque um dia a sentimos e, porque a sentimos, jamais a poderemos
esquecer.
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Alexandre Melo, “Marcantonio”, in Arte Ibérica, Ano
4, Nº36, Lisboa, Junho 2000
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