ARTFORUM
Fevereiro 2016
Fevereiro 2016
O modo
como IGOR JESUS concebe uma
exposição ( e o modo como podemos compreendê-la ) começa por uma aproximação
global ao espaço de exposição no sentido de determinar o processo de
transformação a que ele deve ser sujeito para servir os seus objetivos. Neste
caso, o desafio é considerável já que se trata da primeira exposição do artista
numa galeria que tem um dos maiores espaços contínuos numa galeria privada em
Portugal e que, pela primeira vez, sofreu uma alteração estrutural.
À
entrada, o artista construiu uma black box onde é projetado, em loop de
31’57’’, o video que dá o título à
exposição : “A última carta ao Pai Natal”. Antes de entrar na luz habitual de uma
sala de exposição, o visitante tem de passar (e parar) na escuridão. Adiante
veremos o que significa esta passagem. A completar o processo de transformação
da sala vemos, ao fundo, o que parece ser uma parede, em posição oblíqua em
relação à parede, quase bloqueando o acesso ao último terço da sala. Na verdade
é uma pintura monocromática cinzento-azulado (como um céu muito carregado ?),
composta por vários paineis com uma dimensão total de 8 metros de comprimento
por 3,30 metros de altura. Chama-se “De costas voltadas” (2015). De trás da
parede/tela chega-nos o som, que ecoa por toda a galeria, do que depois
descobriremos ser um video apresentado num plasma, free standing num plano
inclinado e numa posição vertical (POV, video, loop, 1’42’’, 2015).
A
exposição fornece-nos a sua chave logo no início mas só no final a
entenderemos. Voltemos então à sala escura da entrada. O
video alterna imagens de travelings verticais ascendentes e descendentes sobre
uma superfície negra com visões rente ao chão do interior de salas de estar
domésticas. O ponto de vista é, portanto, o do Pai Natal, subindo e descendo
chaminés, para encontrar salas sem pessoas nem nada que indicie a intenção de o
acolher. O Pai Natal (a câmara) volta a subir por onde desceu. As filmagens são
reais e foram feitas sem autorização dos proprietários ou ocupantes das casas.
Estamos
agora preparados para entrar na sala de exposição. Na parede, três trabalhos
fazem racord com o video. Poderiam parecer pinturas abstratas negras (a
escuridão da fuligem no interior da chaminé ?) mas são impressões de imagens
resultantes do corte, colagem e digitalização de polaroids vazias, negras
(“Polaroid”, 185x124 cm, 2015).
No
espaço que vai até á superfície azul do fundo encontramos no chão um pequeno
círculo formado pelos destroços de seis velhos sapatos e ténis cozidos uns aos
outros (“Domingo”, 30x26x26 cm, 2015). À parede em frente às polaroids, está
preso um pequeno copo invertido cuja transparência é toldada por marcas de
resíduos de vinho tinto. Será que, nalgum momento auspicioso do passado,
ocorreu uma celebração ?
Por
fim, a imagem do video que encontramos atrás da parede/tela mostra-nos, em
loop, a queda de uma caixa de som (filmada de frente por uma câmara a ela
acoplada) até se estatelar no chão. Temos a visão e o som concretos de uma
queda cujo sentido abstrato, talvez para evitar especulações religiosas, é
deixado ao livre arbítrio de cada visitante.
Na
tradição católica portuguesa quando se aproxima o Natal diz-se às crianças para escreverem ao Pai Natal ( algumas
décadas atrás estas cartas eram dirigidas ao Menino Jesus, o que no caso de
Igor Jesus teria tido um efeito ainda mais perturbante ) a pedir aquilo que
desejam. O artista contou-me que, na sua última carta ao Pai Natal, pedia-lhe
que o levasse com ele. Mas não vamos entrar em especulações biográficas. O pai,
o nascimento, a família, a queda, são temas suficientemente gerais para
dispensarem exemplificações. Deixemos a cada um a escolha do seu “Point Of
View”.
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Texto publicado na revista mensal Artforum, na edição de Fevereiro de 2016, por ocasião da exposição “A última carta ao Pai Natal”, de Igor Jesus, na Galeria Filomena Soares, Lisboa, 2015.