Ed Ruscha, A Particular Kind of Heaven, 1983. Oil on canvas |
Agora
que penso nisso reparo que Los Angeles é exactamente o sítio onde a Beleza tem
sido produzida desde há, pelos menos, mais de meio século. Nem Florença nem
Milão, não, Los Angeles, L.A., Beleza com B grande. Não a verdadeira beleza,
claro, a verdadeira beleza não existe. A Beleza pura e simplesmente: Hollywood,
Beverly Hills, Dinheiro, Sexo, essas coisas com que os forasteiros sonham e à
volta das quais L.A. vive. Sabemos, evidentemente, que tudo isto é uma ilusão,
uma mentira, uma fraude, nada mais do que a matéria com que são feitos os
sonhos.
O que
eu quero dizer é que quando começamos a pensar em L.A., começamos a lidar com
um estereótipo, um clã de estereótipos. É inevitável. Assim sendo, o melhor é
fazê-lo de uma modo aberto, directo. É o que eu tenho tentado fazer com L.A.
Provavelmente não quero que a minha relação com a cidade seja crítica ou
desconstrutiva. Nem estou certo que ela pudesse sê-lo. E porque é que a minha
relação com L.A. deveria ser crítica? Ou porque não?
O que
eu julgo ser realmente possível é jogar o jogo das distâncias, pôr em cena um
processo de distanciação.
Poderia
dizer que este é o tipo de jogo que, pelo menos desde a pop art, tem sido jogado entre a arte – as artes plásticas, a arte
contemporânea – e a cultura popular de massas, em geral.
Na
sequência de um convite para organizar a exposição anual estudantes de artes
plásticas da UCLA – Universidade de Los Angeles – pude apreciar o modo aberto e
directo como muitos estudantes lidam com noções de beleza, medo, angústia, glamour, tal como elas se manifestam
incorporadas em imagens de rostos, corpos, edifícios, ruas, objectos do
quotidiano, heróis cinematográficos. Alguns estarão mais próximos dos estereótipos
e dos lugares comuns. Alguns outros são mais elaborados e sofisticados. Alguns
enfáticos. Mas, provavelmente, todos nós estamos condenados a parecer demasiado
qualquer coisa na nossa relação com os estereótipos que formam o nosso
incontornável horizonte cultural. Isto faz parte dos riscos que corremos quando
aceitamos jogar o jogo das distâncias.
A
maioria dos estudantes com que falei encara o seu trabalho de um modo
conceptualmente lúcidos mas descomplexado, pessoal mas comprometido com as
imagens do mundo em redor, intenso mas descontraído. Creio que tudo isto faz
parte da atmosfera aberta característica da UCLA.
Na
minha conversa com os estudantes e as suas obras, no processo de trabalho
conducente à organização da exposição, procurei não impor antecipadamente os
meus pontos de vista, nem o meu universo pessoal de referências, mas estou
certo que não pude evitar as implicações da minha particular relação com a
cidade e os seus – meus – estereótipos.
No
paragrafo anterior, a palavra mais importante é a palavra “conversa”.
Provavelmente, é uma das melhores designações possíveis para o real conteúdo do
trabalho de um organizador de exposições ou de um crítico de arte. Por conversa
entendo um interminável work in progress.
A exposição que inaugurou a 20 de Novembro 1998 na New Wight Gallery da
UCLA ou este texto – que é uma tradução parcial adaptada do texto que escrevi
para acompanhar a exposição – são momentos de um processo em curso, uma
conversa interminável. O jogo continua. Com quantos destes artistas voltarei eu
a falar? E em que situações?
...............................
Alexandre Melo, “Em Los Angeles”, in
Arte Ibérica, Ano 3, Nº21, Lisboa,
Fevereiro 1999
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