Robert Wilson. Drawings from The White Raven. ©Paula Cooper Gallery |
Chega
a ser irritante. Há pessoas que pegam numa folha de papel e...pronto, diriam
alguns, fazem milagres. Fazem o que querem. Já está. Chega a ser irritante.
Robert Wilson é um exemplo.
Olhem
para os desenhos da série White Raven,
relacionados com a ópera com o mesmo título, e expostos na Galeria Luís Serpa,
em Lisboa. Quem já viu Robert Wilson desenhar sabe a certeza, a segurança, a
energia. Não, não é uma inspiração. É método, mas é o método de um génio. Se
quisermos continuar a utilizar a palavra génio.
A
folha de papel é branca, bidimensional. Robert Wilson traças as linhas que
quer. Elas serão os eixos que ordenam o espaço – a arquitectura. Robert Wilson
distribui os cinzentos, os brancos, os negros, define os pólos que ordenam a
visão – a luz. Tudo o resto vem, por acréscimo, povoar o espaço, ocupar o seu
lugar, num mundo previamente definido pela arquitectura e a luz.
É mais
que um método, é um sistema. As figuras, as coreografias, os sons, os detalhes,
depois, podem ser cronometradas até ao milímetro, ao segundo, meio milímetro,
meio segundo, para um gesto, um dedo, um ruído, uma palavra, meia palavra.
Robert Wilson sabe fazer exactamente o que faz e por isso pode fazê-lo
perfeitamente.
Há
outros casos. Não muitos, confessemos.
É
sempre extraordinário ver uma nova série de trabalhos de Paula Rego. Neste
caso, refiro-me a um conjunto de trabalhos sobre papel: estudos para os
figurinos do bailado Pra Là e Pra Cá,
inspirado nas gravuras de Paula Rego sobre canções infantis inglesas, as Nursery Rhymes. Trabalhos vistos na
Galeria 111, em Lisboa.
O que
é extraordinário? É ver aquilo acontecer outra vez em frente dos nossos olhos.
Outra vez a mesma coisa. Como se diz em expressões como: quando ela se põe a
olhar com aqueles olhos, quando ela sai da casa com aquele ar, já se sabe,
aquilo vai acontecer outra vez.
Mas
aquilo o quê?
São
desenhos que começam por ser simples. Personagens, figurinos, adereços,
confrontos de personagens, pequenos grupos. Começam assim e ,depois, à medida
que vamos olhando melhor, vem o mundo inteiro.
Paula
Rego leva-nos outra vez para dentro daquilo, daquele mundo. É como quase se cai
nos buracos dos sonhos dos filmes de terror que, bem vistas as coisas, não são
bem de terror.
Lá
estão todas aquelas figuras que ela nos foi ensinando a considerar familiares,
famílias muito especiais, como as dos filmes de Tod Browning: os bons, os maus,
os bonitos, os feios, os péssimos, os incorrigíveis, a vergonha e a
pouca-vergonha, as mãos fechadas, as caras fechadas, as pernas fortes, os
braços fortes, os cabelos, a pele, os pêlos e as penas. Desta vez, uma pequena
orgia de pelagens: insectos, pássaros, pessoas, coisas de se lhes passar a mão
pela pele, como a pintura sobre o papel.
Paula
Rego, assim, sem mais nem menos, põe ao nosso dispor um mundo inteiro. Parece
fácil, assim como quem passa a mão, a tinta, sobre uma folha de papel. Mas, na
realidade, na verdade, é o trabalho de uma vida inteira. É a isso que se chama
um mundo. Mundo. Quase ninguém consegue.
..................
Alexandre Melo, “Papéis”, in Arte
Ibérica, Ano 3, Nº20, Lisboa, Dez
/ Jan 1999
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