“Let the
best man win!”
Gore Vidal
Foi uma alegria ver The
Best Man (Gore Vidal, encenação de Michael Wilson) no Gerald Schoenfeld
Theatre, decorado como se para uma Convenção Partidária à americana, com
bandeiras por todo o lado e funcionários com chapelinhos a condizer. Uma
comédia de bom gosto sobre tráfico de influências, jogos de sotaques retóricos,
boas maneiras e chantagem (tudo o que adorna uma democracia saudável) nos
bastidores da escolha de um candidato presidencial (em rigor nos quartos do
hotel onde decorre a convenção). Quão deliciosa seria a vida política se Gore
Vidal lhe escrevesse todos os diálogos e se os papéis fossem interpretados por
pessoas como James Earl Jones, Angela Lansbury, John Larroquette ou Candice
Bergen.
Joseph Alsop não lhes escrevia os discursos mas andava perto.
Foi um dos mais influentes comentadores políticos americanos nas décadas de 1950
e 60, com acesso directo às orelhas dos Presidentes. Imaginar um tempo em que o
que se escreve num jornal tem alguma importância e são os jornalistas que
telefonam aos políticos a dar conselhos.
John Lithgow tem
uma interpretação admirável como Joe Alsop em The Columnist (David Auburn, encenação de Daniel Sullivan), uma
peça um pouco escolar e entediante, se excetuarmos a cena de abertura em que um
jovem agente da KGB (Brian J.Smith) se veste depois de um exercício de
espionagem na cama, destinado a posterior chantagem.
Para não falar só deste lado do poder também vi Death of a Salesman (Arthur Miller,
encenação de Mike Nichols) que, apesar da notável performance de Philip Seymour Hoffman, continua a parecer-me uma
das peças mais desagradáveis e menos inteligentes do respectivo período. No
entanto, milhares de pessoas precipitaram-se na blogosfera alegando as mais
emocionadas identificações com os desgraçados protagonistas.
Uma pungente demonstração da tristeza do mundo contemporâneo
e da miséria ideológica a que parece condenado.
Da representação teatral temos de passar para a política já
que (Hipótese 1) a política é gestão de imagem e discurso :
encenação, texto, televisão, internet.
Vi umas pessoas que estavam em Washington Square e que alguns
cartazes e papeis me revelaram pertencerem
ao movimento dos “ocupadores”. Há algo de tocante, quase poético, nesta
insistência em ser ouvido apesar de não ter nada para dizer, estar presente a
nada fazer. Tudo muito anos 70. Já saiu um disco em que os cabeças de cartaz
são os meus queridos David Crosby & Graham Nash e há uma participação de
Yoko Ono, pessoas que tanto nos alegram só por estarem vivas.
É interessante ouvir os “ocupadores” falar dos 99% que dizem representar, os
que não são os mais ricos (1%). Era tão bom que tivessem uma ideia sobre a
forma de organizar uma sociedade mais feliz. Poderiam criar um movimento
político e não teriam dificuldade em ganhar eleições (sempre são 99%). É uma
pena.
O que nos obriga a falar de política, política a sério, ou
seja, teatro sob a sua forma mais vulgar. Falemos das presidenciais.
A primeira vez que vi Rick Santorum (ainda alguém se lembra
dele?) pensei que era um wannabe actor contratado nos confins da sua
terra (personagem que sempre inspira algum carinho) para animar as ficções da
Fox News (não é que Bill O’Reilly precise de ajuda) que, ainda assim, já é, 24 horas
por dia, a melhor non-stop truly
conservative soap-opera dos saudosos anos 50. Vieram-me as lágrimas aos
olhos quando o ouvi falar do Demónio, e da maneira como ele se insinua junto de
casados e abençoados casais heterossexuais para os induzir a usar contraceptivos,
ou do modo como na europeia Holanda os idosos são obrigados pelo Estado a andar
com uma pulseira antes de, quando se tornam demasiado idosos, serem mortos nos
hospitais públicos. Deixei as lágrimas escorrer quando uma assessora de imprensa,
confrontada por um ofendido funcionário da embaixada da Holanda, lhe respondeu
com um profundo sorriso : “He always speaks from the heart” (“Ele diz sempre o
que lhe vai no coração”). Que mais se pode pedir ?
Apesar da Fox, não deixa de ser enigmático que um dos
políticos mais carismáticos dos últimos tempos, com a cor certa, um Prémio Nobel
e uma retórica quase evangélica que já arrebatou Berlim, Chicago e Hollywood,
esteja empatado nas sondagens com Mitt Romney (entretanto, na última
quarta-feira Obama passou-lhe à frente), a respeito do qual não ocorre nada
para dizer.
É estranho que Obama não tenha conseguido convencer uma
clara maioria de americanos que a culpa da crise económica era dos operadores
financeiros e não do governo federal (e dele próprio), nem tenha conseguido
explicar as vantagens da sua grande aposta, a reforma do sistema de saúde (parece
que também ninguém se deu ao trabalho de ter a certeza que a reforma não era
inconstitucional). Já há quem insinue que, afinal, Hillary Clinton era o homem
certo para o lugar. Ela tem quase tudo what
it takes.
Claro que a culpa é sempre da economia (e/ou da religião)
mas quem ler o último livro de Paul Krugman (End this Depression Now!), mais um Prémio Nobel, poderá perguntar
porque é que, com a devida vénia a Keynes, não se aplica a receita (os
estímulos) para acabar com a crise. Ele diz que é tão fácil.
(Hipótese 2)
Mas há um problema. O saber económico não é uma ciência nem
nada que se pareça. Não há consenso entre os economistas nem sequer em relação
aos princípios fundadores e objectivos fundamentais do exercício da disciplina.
Mesmo que coincidam no diagnóstico dividem-se entre terapêuticas opostas e
incompatíveis. Chega a ser cómico. Como alguém já disse, nunca aconteceu nada
que não fosse previsto por um economista, só que, perante a mesma
circunstância, tudo o que não aconteceu também foi previsto pelos economistas.
Por isso é tão fácil deslocar as questões para o plano
ideológico e defender a liberdade e o direito à luta pela felicidade (que
algumas pessoas associam à obtenção de muito, muito, muito dinheiro) como
prioridades absolutas, mesmo contra o mais elementar bom senso em matéria de
política económica. O discurso anti-capitalista mais radical (com apogeu
histórico no terror comunista) não faz mais do que reforçar o paradigma oposto.
Também gostava de falar de política na sua forma mais
superior até porque se trata da experiência mais substancial desta Primavera
nova-iorquina. O ciclo O Anel dos
Nibelungos, de Richard Wagner, encenado por Robert Lepage no Metropolitan.
Não sei falar de música nem cantores e tive sorte porque Lepage diz que fez uma
encenação destinada a quem não é melómano. A grande máquina cénica que provocou
controvérsia é uma espécie de teclado gigante cujos movimentos vão criando
rampas, escadas e plataformas, servindo ainda de suporte às projecções que
constituem uma parte substancial da cenografia. Não me incomodou.
A hipotética equivalência entre palco e ecrã é, aliás, um
tópico fascinante para debates estéticos contemporâneos.
O meu cenário preferido é (apesar de Chagall) o próprio
Metropolitan, por fora e por dentro, de fora para dentro e de dentro para fora,
as escadarias e, acima de tudo, em todos os sentidos, os candeeiros. Gostei muito
de ver as quatro óperas em sequência em duas semanas. Torna-se possível tentar
perceber. Tentar.
O meu herói é Wotan. O homem, ou seja, quero dizer, o Deus
(trata-se afinal do último Deus ou do primeiro homem ou será a mesma coisa?) ,
fez tudo o que era possível, e mesmo algumas coisas impossíveis, e mesmo assim saiu
tudo mal.
O problema, já sabíamos, é o problema de saber o que é que
se pode saber. Desde o 1º ano da universidade, nutro uma grande simpatia pela
epistemologia porque se for levada a sério consegue cancelar todos os outros
saberes.
Será possível conciliar o conhecimento, o poder, a lei, o
amor e a liberdade? Parece que não. Nem para os deuses, nem para os heróis, nem
para os homens e mulheres comuns.
É possível ser feliz? Parece que não mas se querem mesmo
saber perguntem a Wotan.
Há agora uma nova espécie de conselheiros terapêuticos, com
procura crescente, chamados wantonists
(não confundir com wotanists), cuja
função é dizer às pessoas o que é que elas querem. Sempre é um ponto de
partida.
Mas talvez a ignorância seja uma forma de santidade. Será
que um abismo de ignorância pode produzir uma Santa?
Há muitos anos que me perturba o facto de dizerem que não se
deve ficar o dia inteiro deitado numa praia a apanhar Sol, com pequenas pausas
para banhos de mar. Sarah Palin libertou-me deste problema. Segundo se ouve em Game Change (documentário ficcionado sobre
a campanha presidencial) fico a dever-lhe a única explicação que até agora
consegui compreender em relação ao problema do aquecimento global.
É Deus a querer abraçar-nos com mais força ainda. Nunca quis
outra coisa na vida e no meu caso nem precisa de ser Deus.
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Segunda das três crónicas nova-iorquinas publicadas no Jornal 'Público', a 16/17/18 Agosto de 2012, na secção de Cultura. (pp: 26-27)
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