Who needs realism when we can have fakism?
Teatro Praga, 2013
Praga – Capital da República Checa ; fascismo, comunismo, fundamentalismo,
terrorismo ; modernismo (segundo alguns documentos do final do século XX) ;
terrível doença muito antiga ; Teatro.
(dos Dicionários)
Devia ter começado a escrever isto há seis meses atrás. A primeira frase não
teria sido esta e não sei qual teria sido. Na altura revi uma série de espectáculos
em DVD, escrevi coisas num caderno de apontamentos “Made in Brazil” que diz na capa “Composition Book” e
fiz uma lista de sub-títulos que haviam de, e se calhar ainda hão-de, servir de
fio condutor não sei de quê. A vantagem consistiria no facto de, tendo isto começado
há já algum tempo, não ser necessário estar agora a começar. Neste momento, e já
lá vão algumas linhas, talvez possamos considerar que, assim como assim, isto já
começou, mas não é certo que isto seja válido como começo. Aliás não se sabe o
que é que poderia ser válido, em geral, e ainda por cima para começo.
E DEPOIS DO ADEUS
Começamos então pela relação com o tempo. Teremos de evitar dizer, lá mais
para a frente, que nos vamos agora debruçar sobre a relação com o espaço.
Hoje em dia é mais evidente do que em qualquer outro momento de que eu
agora me lembre que não se pode começar, pela razão simples de que tudo já começou.
Se nos reportarmos àquilo de que aqui nos vamos ocupar é melhor ainda porque não
só tudo já começou como também tudo já acabou e, no entanto, constatamos que
estas circunstâncias (embora não ajudem nada) não têm importância nenhuma.
Vejamos então o tempo histórico, que remete para conjunturas sociais (políticas)
e teóricas (estéticas). Depois veremos o tempo físico
O que se pode fazer depois de tudo ter já começado e acabado e nós sabermos? Porque não há maneira de não fazer alguma coisa. Se decidi escrever tenho de
escrever alguma coisa.
POIS PÓS POIS
Há trinta anos atrás começou a estar em moda falar de pós-modernismo :
o fim das grandes narrativas
com pretensões totalizadoras ou totalitárias, o fim da crença em sistemas de
critérios universais seja para o que for, e por aí fora : todas essas coisas
que toda a gente sabe tão bem que já se nem lembra.
Já nessa altura, a propósito do pós-modernismo, havia uma questão um pouco
mais abstracta. Tratar-se-ia de uma nova fase na sucessão mais ou menos linear
das conjunturas teóricas (estéticas)? Ou tratar-se-ia de uma outra perspectiva
(maneira de ver) ou de um outro tipo de consciência (maneira de pensar) em
relação a tudo o que existia e tinha existido ?
A primeira hipótese chegou a ser ponderável, por causa de uma propagação de
certos efeitos formais e decorativos, sobretudo na arquitectura mas também
noutras artes, que chegaram a parecer esboçar um estilo. A nostalgia
retrospectiva começa agora a permitir dedicar algum afeto a esse tom de época
que não terá chegado a ser um estilo mas não é por isso menos estimável que os tons de algumas outras épocas. Para
qualquer dos efeitos também se pode considerar tudo sempre misturado.
A segunda hipótese parece mais consistente e é mais aflitiva. Faz aflição (depois veremos o problema do tempo físico ou seja a grande aflição resultante
da presença de corpos humanos vivos no mundo).
Resumindo dizia-se assim : o modernismo superou as coisas que existiam
antes dele e libertou-nos e isso tinha um sentido que se projectava no futuro ;
o pós-modernismo desmascarou o modernismo e libertou-nos (de quê?) e isso tem
um sentido que não se projecta em coisa nenhuma e muito menos no futuro porque não
é exactamente um sentido mas apenas o sentido de uma constatação.
O pós-modernismo, assim entendido, constata que as coisas (não modernas, pré-modernas,
modernas, pós-modernas) que existiram, existem e continuarão a existir, não têm
o sentido que noutras conjunturas alguns disseram ou acreditaram que elas tinham.
Não têm nenhum sentido, se entendermos sentido no sentido que a palavra sentido
tinha antes do que aqui entendemos por pós-modernismo. Isso não implica que as referidas
coisas deixem de existir ou que sofram alguma perda (de sentido ? ; como neste momento
já será, espero, óbvio, a questão não tem sentido), pelo contrário, beneficiam
até de uma intensificação da constatação da sua presença.
Para escrever este texto tive de pensar na eventualidade de eu ser crítico
de teatro ou ter conhecimentos especializados de teatro, teoria ou história do
teatro.
Há uma fantasia que me costuma transmitir uma sensação de aconchego e
saciedade. É quando vou ver espectáculos de teatro a sério, com peças e actores a
sério, naqueles teatros cheios da Broadway (não me refiro a musicais) e está
frio e chuva lá fora, e no palco está uma sala de estar tradicional ou moderna
ou rústica, ou um bar ou uma taberna ou uma sala de um restaurante ou um
pequeno quarto, e as portas, as janelas, as luzes e as escadas estão todas no
seu lugar e os actores são todos igualmente bons e nos dias seguintes e
anteriores leio as críticas dos críticos e eles sabem fazer comparações
apropriadas e eu percebo o que eles escrevem e estou quase sempre de acordo,
que é a disposição mais adequada à minha índole.
A sensação de conforto de que falo é a mesma que me transmitem as naturezas
mortas, em particular se incluírem morangos, cerejas ou pêssegos. Enfim gostos
e opiniões parvas.
Não sei como aquilo se faz nem o que depois se diga. Não sei fazer aquele
tipo de crítica, não sou especialista de teatro. O facto é que não sei nada. Só
tudo. O que não adianta nada. Ou faz toda a diferença. Etc. Invento.
Em resumo não sei falar das coisas que havia antes, da maneira como se
falava antes. Antes de quê ? Antes da tal condição pós-moderna.
TRANSPLURIMULTIDISCIPLINAR
Não sabendo falar de teatro a sério, o meu contexto para falar dos Praga é
o da arte contemporânea, no qual estou habituado a fazer comentários a partir
das muitas vezes repetidas experiências de convívio com as obras, juntando um
volume quase razoável de informações talvez pertinentes. Depois é preciso
inventar. Assim é mais fácil para mim, talvez até possível.
A maneira mais óbvia de justificar a inclusão do trabalho dos Praga no domínio
da arte contemporânea, (na acepção lata que hoje é dada à expressão a partir do
alargamento do campo teórico e formal das artes plásticas) é a evidente capacidade que têm
manifestado para integrar nas suas obras as mais variadas disciplinas artísticas
(teatro, música, ópera, dança, artes plásticas, cinema (em directo, etc) e
colaboradores oriundos dessas diferentes áreas. (Vale a pena referir aqui,
desde já, a importância também concedida à teoria. Adiante voltaremos ao
assunto). A formulação foi incorrecta, de propósito. Os Praga não integraram.
Percebe-se que o campo no qual trabalham foi logo desde sempre um campo em que
essas disciplinas já estavam combinadas. Isto implica o exercício de uma vocação
que se dirige para a criação de um sentimento de comunidade artística. Esta
vocação tem em si mesma um valor social e político muito estimável
É pluridisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar? Não. É pós-disciplinar.
Ou seja, a questão das disciplinas é pouco importante. É arte contemporânea e
também é teatro, e a correspondente especificidade não é irrelevante mas fica
para lá mais à frente. O que é mais relevante é que este campo complexo é
fluido e articulado : funciona de forma pertinente, adequada, produtiva,
eficaz. As obras funcionam. Transplurimultiwhatever.
NEM TEATRO NEM REALIDADE
O trabalho dos Praga é apresentado com recurso à utilização da palavra
teatro. É teatro, o que implica uma especificidade. Dada a minha preferência
por ideias muito gerais começo com uma teoria da representação. Esta teoria foi
inventada para isto, isto é, para os Praga. Se calhar foi inspirada por eles.
Quem sabe? Até agora a minha teoria só tem duas frases.
“Qualquer coisa que não seja nem teatro nem realidade”.
“Cinema ao vivo”.
Agora vou tentar escrever mais algumas frases a respeito de cada uma destas
frases, correndo o risco de ficar ainda menos certo.
Há situações em que já não é possível representar à moda antiga porque não
há tradição, contexto nem vontade. Tudo se passa depois do modernismo e do
conceptual. Não é possível representar contra, ou desconstruindo, ou
instaurando distâncias (à maneira moderna ou conceptual) em relação às modas
antigas porque tudo se passa também depois do pós-modernismo e do pós-conceptual.
Estes são dados adquiridos. Impossibilidade do naturalismo e da representação
contra o naturalismo ; inevitabilidade da revelação das convenções e das formas
de apresentação que fazem com que seja teatro aquilo que é apresentado como
teatro.
No mesmo sentido em que as obras de arte conceptual são aquelas obras que são
obras de arte porque ao serem apresentadas como obras de arte mostram os
processos que fazem com que sejam obras de arte e por isso são ao mesmo tempo
uma apresentação da definição de obra de arte. Nos anos 70 também se chamou a
isto prática materialista das artes : o que consistia na obrigatoriedade de
tornar explícitos os processos e convenções que faziam com que algo se
apresentasse como teatro, cinema, etc.
A condição conceptual (ou seja, pós-conceptual) e o seu programa estão
incorporados desde o início no trabalho dos Praga e todas as suas obras o
demonstram ao tornarem evidentes os processos e mecanismos da sua produção. A
exemplificação sistemática desta estratégia conceptualista é feita de modo
exaustivo no trabalho chamado “Título”, cujo título é, ele próprio, um exemplo
típico da atitude conceptual.
QUE HORAS SÃO ?
Este é o momento para falar do tempo físico ou da experiência física do
tempo. Em relação a este tópico a obra ... é exemplar já que se trata de uma actividade
que se prolonga durante .... horas. Como muitos dos segmentos desta actividade
parecem resultar do exercitamento de uma considerável margem de improvisação
cria-se um vasto potencial de possibilidades
de deslizamentos e coincidências entre o tempo de quem está a actuar e o tempo
de quem está a assistir.
O prolongamento da duração cria uma empatia física. É por isso que nos mais
longos filmes de Warhol temos a sensação que aquilo nos está a acontecer também
a nós. Há uma história curiosa a este respeito. A respeito de quê ? Digamos que
da duração do tempo para usar uma expressão absurda. Quando Jonas Mekas viu
pela primeira vez “Sleep” ficou muito agastado. Não gostou. Depois percebeu que
o filme lhe tinha sido apresentado de modo acelerado. Quando voltou a ver o
filme com todo o tempo da sua duração rendeu-se à evidência.
O deslizamento do tempo, que é uma espécie de adormecimento do tempo que às
vezes se sentia durante... , ao induzir uma confusão entre o nosso tempo e o
deles ( antes dir-se-ia entre o tempo de realidade e o tempo da representação
mas nós sabemos que essa distinção não é bem nem tanta assim) gera um efeito de comunidade (que vai para além
do efeito de comunidade artística que já referimos a propósito das
in-disciplinas) : vai no sentido de uma experiência alargada do sentimento de
comunidade que, a ser possível, concederia a estes trabalhos a dimensão política
inerente à reivindicação de uma legitimidade baseada na ideia de quorum,
entendido como a presença do número de pessoas necessário para que uma decisão
seja válida.
A decisão é o que acontece, o quorum são os que lá estão e o resultado é
uma transformação, ou seja uma acção política. Acontece alguma coisa porque não
pode não acontecer nada e as pessoas estão lá. Há um deslizamento, uma pequena
metamorfose silenciosa e as pessoas acham que também estão a viver aquilo. É
política.
Gosto muito que em “O Avarento ou A Última Festa” não haja tempo para os
actos todos. Neste texto também não vai haver tempo para o texto todo. E nunca há
princípio nem fim.
QUE SÍTIO É ESTE ?
Para não deixar de me debruçar sobre a questão do espaço, tal como tinha
prometido não fazer, devo acrescentar que se lhe deve aplicar o raciocínio
anterior.
Em muitas obras dos Praga há uma propagação epidémica (ou viciosa) de espaços
(multiplicação, divisão, sub-divisão e sobreposição de espaços com recurso a
cenografia, projecções, filmagens, etc) que teria, também ela, talvez, como
limite político o deslizamento
entre o nosso espaço e o espaço deles. Assim no género estamos todos no mesmo sítio.
Mas isto não é possível como objectivo para um trabalho em teatro porque já
estamos sempre todos no mesmo sítio. Não há outro. Por isso talvez não valha a
pena fazer questão de não continuar a estar no palco. Será que este raciocínio é
abusivo? Ou até mesmo reacionário?
TEORIA DA REPRESENTAÇÃO (CONTINUAÇÃO)
Devido à circunstância de estarmos na era pós-moderna e pós-conceptual o escrúpulo conceptual,
desconstrucionista ou materialista ou como lhe queiram chamar não tem prioridade
ou superioridade em relação a todas as outras coisas que a condição pós-moderna
tornou equivalentes: no sentido em que, tendo cada coisa o seu sentido próprio,
todas têm, num outro nível de abstracção, o mesmo sentido, que consiste no fato
de já nenhuma ter sentido na velha acepção (pré pós-moderna) da palavra sentido.
Assim sendo, os métodos descontrucionistas têm de conviver com métodos
citacionistas ou reconstrucionistas em relação ao naturalismo, ao realismo e
aos modernismos. (O que é que distingue hoje a citação do original?).
Estes métodos revisionistas podem ser voltados para trás ou para a frente.
Ao serem voltados para trás proporcionam grandes momentos de rétro, nostalgia,
revivalismo, lirismo, autenticidade ou mesmo kitsch, em relação à produção dos
quais os Praga têm a generosa coragem de não ter medo e a surpreendente
qualidade de se mostrarem competentes.
Quando os métodos reconstrucionistas são voltados para a frente aparecem as
vertigens dos novos realismos em que (parece que) afinal estão a falar deles próprios,
das suas vidas e das coisas que os rodeiam. Também aqui os Praga são muito
convincentes. Esta é uma das razões, entre muitas outras, que fazem de “Israel”
uma obra-prima. Parece realmente que às vezes afinal... É mesmo ele que está
ali, com o corpo e a pele e tudo. Parece mesmo que está mesmo a falar da
realidade. Porque é que digo parece? Porque acho que não está? Não. Porque não
há diferença entre isto (o tal novo realismo virado para a frente), aquilo (as
nostalgias) ou outra coisa qualquer que eles ali façam. Uma das razões para
esta in-diferenciação é sociológica.
Já se sabe que nenhuma pessoa real é realmente uma pessoa real, que não
temos uma identidade mas identidades (em função de diferentes papéis), etc. Poderíamos mesmo tentar prescindir por
completo da identidade, noção e palavra. Lembro-me de um sociólogo italiano
(Massimo Canevacci) que sugeria que em vez de dizer eu se começasse a dizer
eus. Seria um enriquecimento considerável do uso das formas verbais. É o que eu
digo quando digo eu. Mas isso sou eu.
Peço desculpa por tantos "etc." mas não tenho paciência para procurar citações
apropriadas à enunciação destas coisas que já toda a gente sabe. Nem todos
sabem ? Também não perdem nada por isso, talvez até pelo contrário.
Assim sendo quando os Praga estão a ser o que são e a falar do que lhes
aconteceu (e podemos especular sobre o que, realmente, lhes aconteceu) isso não
é ontologicamente diferente do que estão a ser quando estão a ser outra coisa qualquer.
Tudo são apenas diferentes modelações e modulações do que estão a fazer ou seja
do que estão a ser que é ser e fazer aquilo que são e fazem.
É a capacidade de manter esta equivalência ontológica (não cair nem no
teatro nem na realidade) aliada à preservação da intensidade da constatação das
suas diferentes modalidades que fazem com que os Praga sejam exemplo da frase
que tentei explicar.
CINEMA AO VIVO
Esta é mais fácil de explicar até porque vou despachar o assunto para que a
evocação do cinema não venha trazer ainda mais complicações.
Comecemos com uma sensação. Creio que a minha sensação mais próxima do que
alguns chamam uma relação direta com a realidade é a sensação que tenho ao ver
um filme mudo. Os filmes mudos dos primórdios (qualquer um, documentário ou
ficção, talvez até mais ficção). Aquilo aconteceu, aquilo esteve lá e aquelas
pessoas estiveram lá a fazer aquilo diante da câmara. A câmara ainda não sabia
bem o que estava a fazer, nem como estava a fazer, e elas, as pessoas e as
coisas, também não. Não tinham grandes hipóteses de não ser e fazer assim. Não
sabiam mais que aquilo. Sabiam menos. Não sabiam mentir, faziam o que podiam: as
coisas também. É esta a minha utopia do estado natural. Uma ilusão, é claro. A
indiscernível ambiguidade entre o estado de realidade e o estado de representação.
Era a isto que me queria referir com a tal equivalência ontológica.
Lá está ela, a realidade, a representar para toda a eternidade, muda e a
preto e branco.
Este seria o estado de graça do cinema ao vivo. Depois vem o estado de glória
com as codificações do cinema clássico : é o princípio do glorioso esplendor das
convenções narrativas e dos estereótipos.
Não sei se ainda é possível sugerir qualquer aproximação à evocação do
estado de graça, ou seja aspirar a qualquer relação com a realidade, a não ser
através da operacionalização metamórfica das personagens e situações da tradição
hollywoodesca. Uma forma mais bizarra de dizer isto é dizer que não é possível
qualquer relação com a realidade a não ser através da comédia clássica de
Hollywood (Shakespeare, Lubitsch, Cukor). Mas isto já é teoria do cinema ou
teoria geral. Fica para a próxima.
Termina assim esta parte do meu texto dedicada a Rudolfo Valentino.
E DEPOIS DO PAI
Agora vamos tratar as diferentes variantes do “e depois de” as quais, caso
o que já ficou escrito seja inteligível, se tornam muito mais fáceis de
abordar.
Então e depois do pai? (Esta reflexão ocorreu-me durante “O Avarento ou A Última
Festa”). Depois do pai tudo mudou e ficou na mesma. Onde fica depois a presença
do pai é onde sempre esteve : dentro de cada um, consubstancial ao pai na
unidade do espírito de tudo.
Ou então está bem. Vamos fazer uma grande festa, vamos fazer mais uma
grande festa. Desta vez vamos poder mas com f.
Então e depois da festa? Aqui conto a história do título deste texto. Nos
idos de 80 do século passado (ou seria já 90?) havia uma revista de que eu
gostava muito publicada pelo Centro Georges Pompidou, o Beaubourg, como com
carinho então se lhe chamava (eu gostava muito dele, Paris e tudo; “mocidade,
mocidade ...”. A revista chamava-se “Traverses” e tinha textos e grafismo
muito interessantes. Uma vez publicaram um texto de Baudrillard que na altura
se considerava muito interessante (eu também gostava muito e ainda gosto) e o
texto chamava-se “What are you doing after the orgy?”. Depois de enunciar vários
baudrillardismos próprios da época (já não me lembro quais mas eram tão ou mais
interessantes quanto todos os outros e não estou a ser irónico) terminava
contando uma situação em que um senhor, já na fase final de uma orgia (coisa
que ainda não percebi bem o que seja,) se aproxima (ainda mais, deduzo) de uma
mulher que lhe pergunta ao ouvido: “What are you doing after the orgy?”. Enfim,
é a temática da sedução, etc.
Mas aqui, neste texto, o depois é muito mais vasto (já ninguém se lembra
das orgias que nunca existiram ; a menos que fossemos falar de Roma mas não
vamos). O depois aqui é também depois de todas as coisas de que já falámos
acima.
Para os Praga ainda é mais difícil porque têm que fazer isto tudo depois de
tudo e ainda depois de : eles próprios. Mas esse é um problema deles.
Bom, então e depois da festa, e depois da “orgy”? Depois, está muito bom de ver, vamos foder. Mas com p. Com
p grande : P.
META DISCURSO MAS ONDE ?
Quando todo o discurso funciona como se fosse irónico (porque se ainda se
lembram já não é possível acreditar no primeiro grau do discurso, o da expressão
da verdadeira verdade autêntica) o segundo grau passa a ser o primeiro e não
sei se ainda se pode aplicar a noção de ironia. Talvez se deva falar de falsa
ironia ou meta-ironia, mas estas noções não são nada fáceis de definir.
Em todo o caso, como não é possível não fazer alguma coisa (ou melhor : é possível
mas esse é um assunto de que eu não falo), para se não fazer o que calhar é
preciso pensar.
Eu ainda sou do tempo da “função de comando da teoria”, como dizia Louis
Althusser, o último marxista com o charme inerente à volúpia do rigor teórico.
Talvez não por coincidência, sofria de graves distúrbios mentais, passou longos
períodos internado, assassinou a mulher e acabou por se suicidar. Como se
costuma dizer, a realidade ultrapassa a ficção que por sua vez já tinha
ultrapassado a teoria. Lá chegaremos.
O fascínio pela teoria e o respeito pelos intelectuais são coisas
absolutamente estimáveis. Apesar disso posso perguntar (é uma hipótese): Será
que eu gostaria ainda mais de “Oil ... “ (de que eu gosto muito) se não tivesse
texto (cinema ao vivo)? Afinal foi Marx que disse (ou terá sido Engels) que a
arma da crítica não saberia substituir a crítica das armas. É como a história
da festa mas com P...
Depois da festa trata-se de encontrar formas da liberdade que não possam
ser confundidas com o terror. Uma coisa que os inimigos da liberdade, os terroristas
e os seus cúmplices nunca quiseram compreender.
Mas os intelectuais e o pensamento contemporâneos têm os seus problemas. O
primeiro é que a capacidade de gestão e sistematização da informação (infinita)
disponível sobre o mundo contemporâneo (este mundo) não é suficiente para se
produzir uma visão de conjunto e muito menos para dela extrair uma pragmática (o famoso “Que Fazer?). Até porque, é o segundo problema, não há nenhuma visão
de um mundo (não este em particular mas um mundo considerado num nível um
pouco mais abstrato) suscetível de integrar uma quantidade de informação sobre
este mundo que seja suficiente para fazer raccords que permitam ignorar as
zonas de desconhecimento ou absoluta imprevisibilidade.
Isto é, não há nem conhecimento suficiente deste mundo, nem fôlego teórico
para apresentar uma visão-do-mundo que se possa apresentar.
É por isso que nenhum pensador consegue apresentar nem sequer uma sugestão
minimamente consensual sobre a forma de ultrapassar a crise económica. (Na
verdade a verdadeira razão desta incapacidade resulta do facto de a crise económica
não ser uma crise na aceção corrente da palavra. Mas a explicação da minha visão
da crise económica atual talvez esteja fora do âmbito deste texto.)
É por isso que os intelectuais hoje em dia quase se limitam a apresentar
papas de citações amassadas com banalidades, de preferência multiculturalistas,
porque são as melhores banalidades.
Sei que devo agora pôr a questão? Ou devo dizer colocar a questão? E onde? Em cima da mesa? Talvez seja melhor dizer que a questão já está em cima da
mesa. Qual mesa? Que fazer?
Dadas as já referidas limitações do pensamento teórico (seja no plano analítico,
seja no plano programático, isto é, seja conhecimento ou política) é preciso
trabalhar no interior dos processos de produção da arte. Um desvio através da
arte, de que é exemplo o já referido desvio através da ficção. Aliás não é
desvio através de, é ir direto à arte e à ficção, estar lá dentro, trabalhar
com os métodos, situações, narrativas e personagens que já lá estão e submetê-los
a metamorfoses, torções, subversões e glorificações que talvez nos consigam
levar a dizer coisas, a pensar coisas e a fazer coisas que de outra maneira
talvez não nos ocorressem. O teatro tem uma importância especial porque é ao
vivo e são mesmo as pessoas que estão ali a fazer aquilo com os corpos delas:
faz aflição
Os princípios de ação são a liberdade e a fraternidade, os métodos são a
imaginação e a metamorfose, o objetivo é a alegria de viver.
É por isso que “A midsummer night’s dream” do Teatro Praga é uma das obras
mais importantes a que me foi dado assistir neste jovem século.
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Texto publicado no livro Who needs realism when we can have fakism?, Teatro Praga, Portugal: 2013, pp. 74-84
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