João Pedro Vale. I Have a Dream. 2002 |
No passado
dia 31 de Outubro, abriu no MARCO, Museu de Arte Contemporânea de Vigo, a
exposição «Outras Alternativas», comissariada pelo jovem crítico e curador
espanhol David Barro e reunindo obras de 20 artistas portugueses das mais
recentes gerações, isto é, revelados na última década e alguns mesmo já no novo
século. A exposição tem as virtudes próprias da diversidade e vitalidade da
actual cena nacional e a vantagem de, graças à distância de um ponto de vista
menos ligado às circunstâncias locais, agrupar algumas obras e misturas de
nomes pouco previsíveis e capazes de suscitar debate.
O que importa
aqui sublinhar é a constatação do que a exposição representa: há uma nova
geração, ou várias, consoante a arrumação cronológica que se adoptar, de jovens
e muito jovens artistas portugueses cujas obras têm já a maturidade e
consistência suficientes para participar numa dinâmica internacional de que
esta grande exposição, em museu espanhol é assinalável exemplo, tanto mais que
a Espanha tem uma função fulcral como ponto de passagem dos artistas
portugueses rumo a uma circulação global.
Entretanto,
para quem queria dar a volta ao mundo da
arte de um modo menos rápido do que aquele que parece caracterizar a dinâmica
dos artistas portugueses do século XXI, um dos métodos mais poéticos e
aventurosos é, sem dúvida, a viagem em balão.
Para o efeito
poderão tentar utilizar o balão criado, em 2002, por João Pedro Vale e
apresentado em Lisboa (Lugar Comum, Barcarena), no Porto (Artes em Partes) e
agora em Vigo.
João Pedro
Vale, que nasceu, estudou e trabalha em Lisboa, teve a primeira exposição
individual na Galeria Módulo em 2000. Ali apresentou um conjunto de esculturas
que remetiam para objectos ligados à atmosfera de um ginásio, apostando em
sugestivas referências sexuais e na utilização de matérias pouco convencionais
(sabão, pastilha elástica, «batôn») com uma surpreendente capacidade de apelo
sensorial.
Por exemplo,
a peça Body Sculpture consiste num
complexo de ginástica, daqueles que permitem a realização de uma multiplicidade
de exercícios através de variações da posição do corpo e dos vários elementos
da máquina. Todas as superfícies estofadas da máquina estão cobertas de
pastilha elástica de mentol, devidamente mastigada ou amassada de modo a
produzir efeito equivalente, dando à forma final da escultura um delicado tom
verde e um apetecível aroma a mentol que alastra ao espaço circundante.
Aquilo que
começa por ser um «ready-made», isto é uma apropriação de um objecto
pré-existente, transforma-se num palpitante apelo à intimidade. Um objecto que
costumamos associar a formas mecânicas e frias, ainda que suadas, de
exercitamento do corpo vê-se transformado em eventual propiciador de fantasias
sensuais menos comuns.
João Pedro
Vale realizou depois uma série de peças de grandes dimensões e grande impacto,
entre as quais se destacam as esculturas inspiradas na figura do Pinóquio
(Espaço EDP, 2001), na Dorothy de O
Feiticeiro de Oz (Feira de Arte de Lisboa, 2001). Vedetas multinacionais de
um imaginário cultural global, reinventadas para proveito e gozo dos nossos
imaginários pessoais. Figuras consagradas pela cultura de massas até ao ponto
de se tornarem estereótipos ganham um suplemento de sensualidade, através dos
materiais usados e da forma manual e caseira da sua utilização, e são
reinvestidos de uma vocação sentimental que as reenvia para a sua origem lúdica
e fantasista, em relação com o imaginário e a memória da infância.
O grande
balão voador com o qual começámos esta digressão pelo trabalho de João Pedro Vale
tem uma forma inspirada no castelo da Bela Adormecida do filme do Walt Disney e
é feito de tecidos vários em tons de cor-de-rosa. I Have a Dream é o seu nome inscrito em bandeiras que adornam o
balão e nas bilhas de gás que lhe alimentam o voo. No entanto, como é habitual
neste tipo de balões, sobretudo quando se chamam «I Have a Dream» (eu tenho um
sonho) não nos é possível ver o balão em pleno voo, apenas o podemos observar
em estado de queda com as torres do castelo suspensas de uma varanda ou espalhadas
pelo chão.
Os
pessimistas poderão pensar que o balão falhou na sua missão mas não é verdade.
Nós não sabemos por onde é que o balão já voou nem por quantos sonhos ele já
passou e também não sabemos quantas mais vezes ele irá voltar a levantar voo e
passar por outros tantos novos sonhos.
As obras de
arte não são promessas de políticos nem delírios de poetas. As obras de arte
não fingem transformar os sonhos em realidades. As obras de arte são a
realidade do facto de haver um sonho.
A viagem de
balão à volta ao mundo não tem princípio nem fim, tem apenas momentos de pausa
e repouso que devemos agradecer e entender como convite.
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Alexandre Melo, Crónica ‘Obra de Arte’, in Expresso, Lisboa, 3 de Janeiro 2004, p. 30-31.
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