Uma página
igual à que agora começaram a ler está exposta, até 14 de Junho, na Galeria
Deitch Projects em Nova Iorque, constituindo uma das obras de arte incluídas na
exposição do colectivo «The Three», organizada por Adrian Dannatt.
Isto não
significa que eu cedi à tão comum ambição dos críticos que se querem
transformar em artistas e que, à falta de tempo ou talento para mais, resolvi
começar a expor os meus textos com o estatuto de obras de arte. Admito, no
entanto, que esta é uma hipótese interessante.
Para já, a
explicação para esta surpreendente circunstância é um pouco mais complexa.
«The Three» é
o nome dado a um colectivo, composto por três mulheres, manequins
profissionais. A sua actividade, assumida no âmbito da radicalização da arte
conceptual, é organizada e apresentada por Adrian Dannatt, um crítico de arte
(«The Art Newspaper») e «curator»
fixado em Nova Iorque. Dannatt declarou-nos que Fernando Pessoa e os seus
heterónimos são uma fonte de inspiração, referindo Alexander Search em
particular. As exposições do grupo consistem na apresentação dos materiais a
seu respeito divulgados nos meios de comunicação social. Entre as obras
incluem-se gravações rádio e televisão («Liquid News») da BBC e textos de
publicações como a «Talk», a «Parkett» e, agora, o Expresso. A primeira
exposição realizou-se na Galeria Percy Miller em Londres (Dez. 2001/Jan. 2002)
e, sempre de acordo com as informações prestadas pelo «curator», que servem de
base a esta crónica, foram vendidas cinco obras a coleccionadores privados.
A avaliar
pelas fotografias agora divulgadas para a promoção da exposição em Nova Iorque
as três manequins que compõem o grupo já não são as mesmas mas esse factor não
afecta a continuidade do trabalho.
O projecto
«The Three» coloca-se de uma forma controversa num lugar de confluência entre o
mundo da moda e o mundo da arte, sob a égide dos «mass-media». É uma formulação
extrema de algumas hipóteses paradoxais sobre a definição da arte (os limites
ou a ausência de limites para aquilo que pode ser considerado uma obra de arte)
e sobre as vicissitudes que envolvem a noção de autor e artista. Estamos
perante uma contundente demonstração da importância da divulgação mediática no
processo de construção e reconhecimento do estatuto e valor das obras de arte.
Trata-se, ainda, de uma perversa subversão da função tradicional do «curator»,
aqui transformado num «public-relations» conceptualmente esclarecido.
A estratégia
sugere-nos que, na paisagem cultural contemporânea, os processos de mediação,
dada a sua avassaladora preponderância social, prescindem de qualquer objecto
pré-existente e tornam-se, eles mesmos, o seu próprio objecto. O que está em
causa é, também, o estatuto actual da fama e celebridade e os novos e imensos
horizontes de poder dos meios de comunicação social de massas. A obra de arte e
o artista seriam, apenas, o que se diz sobre eles.
O projecto
reforça a credibilidade ao associar-se a Jeffrey Deitch, «dealer» e «curator»,
desde há 20 anos, divulgador de novas tendências, responsável por exposição
internacionais de referência como, por exemplo, «Post Human» (1992). Para os
leitores interessados adiantamos que a página do Expresso igual a esta está à
venda por 600 dólares. A galeria é contactável através do telefone 212-3437300
e do fax 212-3432954. Apesar da bem conhecida grande tiragem do Expresso,
trata-se de uma peça única nos termos do certificado, único, que será entregue
ao comprador com a chancela da Deitch Projects e a assinatura do «curator» em
representação do grupo «The Three».
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Alexandre Melo, Crónica ‘Obra de Arte’, in Expresso, Lisboa, 24 de Maio 2003, p. 50.
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