Sem Título, 1984 |
Uma grande pré-meditação é uma maneira bastante sentida de se pôr a ocupar a superfície de um
quadro. Com o tempo acabou-se por ser conceptual e prescindir de pincéis e
tintas. Tinha graça, mas menos garrida.
Fazendo ao
contrário, lidamos com a gestão sensível de desequilíbrios. Reversíveis até um
ponto, sei lá, intuito – porém visível e evidente – de equilíbrio. Um ponto –
que eu acho equilibrado – de inédito. Chegamos a uma altura em que não nos
apetece lamber mais e paramos.
O primeiro
olhar pode ser fútil; dedo displicente. A chamada responsabilidade vai sendo
criada à medida. Muito de ligeiro. Isto podia ser uma descrição dos quadros de
Pedro Casqueiro. Não é fácil dizer como são: dar uma ideia. É que são quadros.
Decidem-se na maneira de por e dispor as coisas com que se organiza um quadro:
cores, formas, objectos, insinuações de espaços.
Por e dispor
Alinhamos
então quatro maneiras de por e dispor. Ou seja, expor; ou também, ver. Umas em
cima das outras – Pintar um retrato em cima de uma convenção social, um desenho
escuro em cima de um ideal bondoso, uma figura em cima de um fundo que estava
ali mesmo a pedir para condizer. Sobreacumulação parasita. Tiques de
redundância e ilustração (Serve também para conjuntos de obras em que há quem
chame coerência a um acrescentamento de mesmidades sem crescendos emotivos nem
intrigas ficcionais).
Laivos de
acumulação indecidida de elementos foram visíveis nalguns dos quadros que Pedro
Casqueiro expôs no Café-Concerto. Mais ainda, de forma sobrecarregada como
foram expostos. Umas ao lado das outras – Onde parece que um quadro não está
acabado, ou que é uns tantos, meios acabados ou em meio. Cada coisa tem o ar de
estar para ir à sua vida e as cores não se conhecem umas às outras: nem de
vista (Em obras, no sentido amplo, descamba-se naquelas sucessões de fases em
que ninguém ressente um perene efeito de assinatura).
Na exposição
de Setúbal, Pedro Casqueiro rarefez o espaço de alguns quadros para abrir zonas
planas respiradas, mas nem sempre elas se entendiam bem com os contornos das
formais mais densas. Atitudes assim não é que sejam más. Melhor é, contudo, que
sejam péssimas: expressão que hoje em dia já não encerra um juízo de valor.
Passemos às outras maneiras; aqui mais próximas.
Pegadas
Coisas
despegadas umas das outras – (Cf. Sérgio Pombo). Os elementos afastam-se
destacam-se de um fundo. Parece que ficam sós e tristes. Mas precisam-se: como
pegadas de bicho magoado, incertos passos. Estão ali para olhar uns para os
outros, como os portugueses à janela quando é sempre fim de tarde.
Remete para
afastamentos assim a composição dos últimos quadros de Pedro Casqueiro (à
entrada do Frágil), onde pela primeira vez o tratamento do fundo – que emerge –
tem papel fulcral. Mas é ainda outra a maneira mais corrente conseguida nas
pinturas de Pedro Casqueiro. Coisas
pegadas uma das outras – Ainda uma cor (é um exemplo) está a virar a cabeça
para trás – porque ouviu chamar – já outra lhe pôs a mão no ombro. Os passos
não têm direcção. Ritmo será, se calhar dançavam, mas não se encaminham. As
coisas estão todas pegadas mas não é para se redundarem, nem arredondarem, é
para puxarem, cada uma para onde compete.
Linhas de desmarcação
Em Setúbal na
noite de inauguração da exposição, Pedro Casqueiro tinha pintado de vermelho ou
branco algumas madeixas de cabelo.
Os bandos
mundanos passam as noites a querer ir no mesmo carro para sítios diferentes.
Quando se perdem vão sozinhos para sítios mesmos. Tratamos de um modo de
composição regido pelo princípio da desmarcação – no sentido futebolístico, se
quiserem. Uma posição determinada de um elementos suscita uma velocidade de
afastamento de um outro, que mais à frente se irá revelar consequente, quando o
elemento de partida tiver, por sua vez, desenvolvido a sua própria força. O
jogo recomeça sempre, dentro de cada quadro e entre os diferentes quadros.
Um trabalho
que prescinde tema – sem título – não põe a alternativa abstracto/figurativo,
integra objectos sem arrastar com eles cargas problemáticas. Há redes que
funcionam como balizas, menos para meter golos que para sinalizar percursos. Há
círculos concêntricos que no começo são alvos suspensos e depois tapetes no
chão. E faixas estendidas como passadeiras que, se forem bem feitas, são uma
escada a andar, ela própria, por uma casa acima.
Linhas de
desmarcação das coisas. Por isso as camisolas vermelhas dos jogadores têm
pequenas linhas oblíquas amarelas. Para aumentar a velocidade.
Pedro
Casqueiro tinha umas calças de cabedal preto, novas e portanto pouco modeladas.
Foi-as sucessivamente pintando de vermelho, roxo, preto, rosa. São agora de
pintura e perfeitamente moldadas. Com alguns pregos de metal amarelo. Ficam bem
uma t-shirt e uns botins pretos. Meias vermelhas.
Um jogador
difícil de marcar.
....................................
Alexandre Melo, “Pedro Casqueiro: o princípio da
desmarcação”, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 7/8/1984
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.